sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #140
Vagabunda responde: sou chata por não querer que minha amiga converse sobre a minha vida com o namorado dela?
Olá, meus vagabunders!
Como vocês estão? Queria agradecer vocês pela recepção às últimas edições, foi legal demais explorar o tema sugar daddy + desejo, e recebi vários relatos bacanas de gente que já se aventurou nesse rolê.
Se você perdeu, pode ler o primeiro texto aqui e o segundo aqui.
Mas hoje quer voltar pro Pergunte Para A Vagabunda, porque tem uma questãozinha lá que acho bem importante trazer pra cá. Se você quer um conselho ou perguntar alguma coisa sobre determinado assunto, é só deixar sua pergunta aqui no formulário:
Sou chata por não querer que minha amiga converse sobre a minha vida com o namorado dela?
Quem mandou foi a Clarice, e ela disse o seguinte:
“Olar! Desde já peço desculpas por ser prolixa. Preciso explicar o contexto para explicar o meu desconforto para, quem sabe, você dar seus dois centavos.
Seguinte: tenho sentido um certo desconforto com algumas amigas que namoram. Conto uma situação que já se repetiu mais de uma vez com uma em específico para ilustrar: não consigo ver a amiga por causa da correria da vida, seja a minha ou dela, e a gente recorre ao quê? Mensagem no WhatsApp, áudios ou ligação para conversar. Acontece que em muitas ocasiões dos áudios e ligações, já ouvi a voz do namorado dela de fundo. Às vezes comentando a resposta que a namorada — ou seja, minha amiga em questão — está falando. E assim, quando são assuntos banais, não me incomodo, respondo/falo sobre o comentário do namorado; mas outras vezes... Já aconteceu de serem coisas íntimas. coisas que algumas vezes tive até dificuldade de falar com a amiga, sabe?
Certa vez fiquei tão desconcertada em ter ouvido a voz do namorado de fundo de um áudio que comentei: “poxa, amiga, X pessoa tá aí ouvindo tudo que você falou?” A resposta dela em texto foi, sem brincadeira: “estamos no carro, então aproveitei pra te responder. Relaxa, ele nem tá prestando atenção. E se estiver também, o que isso tem de relevante pra ele? Te garanto que daqui a dois minutos nem vai lembrar. Não se dê tanta importância. Eu confio nele plenamente, e se não posso me expressar, falar qualquer coisa perto do meu companheiro de vida, é algo que você tem que repensar.” Ouvi isso e me senti a neurótica que estava se dando importância demais, pois sou overthinking.
E assim, adoro os dois juntos, mas assim como eu não tenho e nem preciso saber tudo da relação deles, e tem coisas da minha própria amiga e namorado que nunca vou ficar sabendo, acho que está no meu direto em sentir o desconforto de algumas coisas pessoais minhas, que decidi compartilhar exclusivamente com minha amiga, o namorado fique sabendo. Ele é parceiro dela, não meu. Mas comecei a ter um olhar mais antropológico quanto a esse tipo de acontecimento, sabe? E gostaria de saber a sua opinião. Como, às vezes, quando nós e os outros estão em relacionamentos, perderem um pouco do filtro e fazermos comentários privados de algumas pessoas perto ou contamos abertamente para nossos parceiros.”
Ai ai, vamos falar mal de casal?
Tudo bem que ela tem um parceiro, tudo bem que ela quer compartilhar coisas da vida com ele, mas como você disse: quem tem o relacionamento é ela, e não você. Não é sobre a sua vida que ela tem que fofocar com o namorado. Não é porque, na cabeça da querida, os dois sejam uma unidade inseparável (coitada) que você tem que tratar ele como seu amigo íntimo. Até porque se você queria que ele soubesse das suas questões, teria chamado ele pra conversa.
A instituição Casal vem se tornando uma das coisas da nossa sociedade que mais me tira a paciência. Se formos falar de casal hétero, então, é pior. Porque enxergo tudo como uma performance afetada: as declarações públicas de amor para que o mundo veja como o casal é lindo (sabendo que, fora do Instagram, o cenário é diferente); as coisas “típicas” que o par romântico sempre faz em dupla, como irmãos siameses que não podem nunca se separar; a maneira com que um trata o outro como uma extensão própria, minando qualquer tipo de individualidade; o jeito que desprezam outras pessoas que não vivem no mesmo “arranjo” que eles, que tratam os solteiros como pobres solitários que ainda não tiveram a “sorte" de encontrar sua alma gêmea.
Preguiça da porra, viu? Claro que tem casais que eu acho fofos juntos, que não tentam empurrar sua relação goela abaixo dos outros, que entendem que o namoro/casamento é entre eles, e não com familiares, amigos e toda a vida social que ronda os dois (tenho até amigos que são casais!). Mas quantas vezes você já não teve que aturar um namorado(a) de alguém do seu grupo de amigos sem ter a mínima vontade de interagir com essa pessoa? Ô, muitas.
Lembro sempre de uma amiga minha que queria comemorar seu aniversário só com as mais chegadas, só mulheres. O plano era passar o fim de semana num lugar diferente, ter uma girl weekend. Mas uma das gurias que ela convidou insistiu em levar o parceiro, não iria se não fosse com ele junto. E lá fomos nós, amigas e cônjuge à tiracolo, cônjuge esse que sequer tinha intimidade com ela a ponto de querer comemorar seu aniversário.
E toda vez que um convite era feito para qualquer outro rolê, o cara tava lá. Não existia conversar sobre as coisas mais importantes da vida dela porque esse cara sempre tava presente, e ela não tinha intenção alguma de compartilhar isso com ele. Aos poucos, minha amiga se afastou dessa anti-querida que só existe com um homem do lado, porque não dá pra aguentar uma amizade dessas em que vem um homem de brinde.
E entra aí de novo a questão da “hierarquização” da coisa. Impossível não colocar as pessoas numa espécie de pódio, eu sei. Mas acho absurdo como, quando começam a namorar, a galera esquece de todo mundo que veio antes e coloca o parceiro lá em cima, no pico mais alto, e negligencia totalmente as outras pessoas. Que é o que pode estar acontecendo aí no seu caso. Sim, a vida atrapalha, mas quando você arranja um tempo para falar com ela, é só com ela que você quer falar. Não te achei neurótica nem se levando a sério demais. Na verdade, quem tá levando “a sério demais” é essa amiga.
E aí vem outro ranço dos casais: eles se levam a sério demais. Se você não chama o namoradinho da amiga, ela vai ficar paranoica querendo saber por que você não gosta do presente de Deus, quando na verdade você pode apenas ser indiferente à pessoa. Você externou seu desconforto com o fato do cara ter ouvido coisas que você acha difícil desabafar, e a moça já veio toda na defensiva como se você tivesse dito que o cara é um lixo. Calma lá, você não pode mais ter o direito de manter as coisas apenas para os íntimos? Em que momento ele se tornou íntimo seu? O fato da sua amiga se deitar com ele transforma o cara automaticamente no seu brother da vida? A sua individualidade e suas vontades tem que se dobrar ao casal apaixonado? Porra, se a guria tirar a cabeça de dentro do cu do namorado, ela vai descobrir que a vida não gira em torno dele e nem dos dois juntos.
O pior é que, se você chega e fala na lata que acha chato a pessoa carregar o parceiro como um chaveirinho pra todo lugar, ela vai vir com o papo de “você tá com inveja da nossa relação". Se não disser, vai pensar, assim como pode ter gente comprometida lendo isso aqui e pensando isso de mim — só sendo muito amargurada para não achar bonito as manifestações românticas. Amargurada eu sou, sim, mas não porque não tenho um parceiro. A amargura vem do que o “casal” representa, essa ideia torta de que você só está completa quando encontra alguém. Desculpa, mas eu já nasci completa. Tenho todos os meus órgãos e fios de cabelo. Não preciso de ninguém para preencher meu vazio existencial porque nem tem lugar a ser ocupado nesse “vazio". Eu habito ele, minhas amizades já habitam ele, minhas relações sexuais habitam ele sem eu precisar me colar em alguém como um carrapato que precisa sugar o sangue do outro pra sobreviver.
Você está mais do que certa em se sentir desconfortável e em ter externado esse desconforto. Ela pode botar a mão no fogo pelo namorado, mas você não. E pode aguardar que, em algum momento, essa ficha vai cair pra ela. Provavelmente quando ela descobrir que ele não é tão confiável quanto imagina… E adivinha pra quem ela vai ir chorar as pitangas quando isso rolar? ¯\_(ツ)_/¯
Para não só ler, mas também ouvir minhas reclamações sobre casais, amor romântico, capitalismo, internet e o que mais aparecer, apoie o sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa com R$ 10 mensais e tenha acesso ao podcast exclusivo! Teve episódio novo na última semana e deixei um trechinho para quem ainda não é apoiador sentir a vibe.
Diquinhas
Se tem uma coisa que você precisa ver, é esse vídeo do Thiago Guimarães sobre Hora da Aventura e criação. Partindo do desenho, o Thiago vai desmitificando essa coisa de que a criatividade se dá sozinha, dentro de um indivíduo apenas, quando na verdade um produto artístico pode ter muitos “autores". E é muito legal pra pensar a criatividade também. Só vejam.
Outro vídeo que achei bem legal é esse aqui falando sobre como o Coachella virou um lugar para exibir looks além de escutar música. Ela dá uma contextualizada sobre a história do festival e mostra como, com a presença de famosos variados, surgiu o conceito de “moda de festival".
Aliás, eu vi vários shows do Coachella enquanto aguardava o GP da China da Fórmula 1 (sim, fiquei acordada pra ver Verstappen ganhar). Que cobertura perfeita que eles fazem. Cada palco tem seu canal no YouTube, passam os shows completos, não tem repórter, a informação do line up fica fácil de encontrar. Que sonho, viu? E gostei dos shows, acabei vendo o da Sabrina Carpenter (prefiro a loirinha Gen Z do que a loirinha Millennial), da Lana Del Rey (deusa, rainha, diva), do Peso Pluma (gostei), do Justice, do Le Sserafim (preferiria que fosse, sei lá, Aespa, tão muito “cruas” ainda, mas foi ok), e trechinhos de Ateez, The Rose e Sublime. E, claro, No Doubt, que se viesse pro Brasil eu ficaria bem tentada de ir ver.
A Joana Cannabrava fez um post lá no Instagram falando sobre um causo que aconteceu no Web Summit: numa mesa sobre “lugar de fala", tinha um humorista, homem-cis-branco-gay, dizendo que tinha de certa forma “lugar de fala” para fazer publi de absorvente, já que ele conversava muito com mulheres. Acontece que, nesse mercado dodói, faz sentido um homem que não menstrua ganhar dinheiro com algo que ele sequer usa? Não seria mais sensato da parte da marca contratar um publi de uma pessoa que menstrua? Aproveito também para compartilhar de novo esse meu texto sobre o problema do mercado de influência, porque tá tudo interligado — tem que acabar o publiça.
Ah, e falando em conteúdo duvidoso E casais, o texto da semana passada na Associação dos Sem Carisma foi uma reclamação sobre trends de TikTok, reclamação esta que me surgiu depois de ver trends de casais. Porque é tudo tão bobo…
Pronto, acabou. Obrigada por ler até aqui! Estou 100% na skin velha gritando pra nuvem nessa edição, então fiquem com Horácio cheirando uma flor que um gurizinho me entregou na rua semana passada. Achei fofo.
Tchau!
(E se você faz parte de um casal, trisal, bacanal, o que seja, e ficou ofendide: problema seu.)
muito ranço de quem acha que o casal vira uma pessoa só. vamos aprender a manter a individualidade, galera! há momentos para compartilhar e momentos que são de cada um. é muito melhor assim, inclusive.
Eu sou parte de um casal e não fiquei nem um pingo ofendido, sei bem que as vezes compartilhamos coisas que "não deveríamos" lá em casa mas temos a sensibilidade de assumir a culpa e não ser algo recorrente nem de esfregar na cara do outro. Achei a amiga mega insensível, a falha no compartilhamento até mais leve do que a reposta depois da exposição do incômodo, pq antes ela pelo menos poderia alegar que não sabia ou achava que a amiga não ligava pelas interações nas conversas banais.