sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #137
O problema do mercado de influência
Faz tempo que eu estou desencantada com o mundo da influência. Trabalho com isso, apesar de não ser uma influencer que sobrevive apenas de publicidade — o volume de pedidos de orçamento aqui é bem baixo. No máximo, ganhei alguma coisa com o Ppkansada, mas não o bastante para poder me dedicar apenas a isso. Mas atuo também como assistente de influencers, então estou muito por dentro das mecânicas desse negócio. E o sentimento, no momento, é que esse “mercado” parece colapsar.
Eu, a Bertha e a Isabela já desabafamos muito sobre isso nas gravações do Ppk, desabafos que nunca foram para o ar para não pesar na audiência e para não afastar as possíveis marcas que poderiam nos patrocinar. Bertha e Bela, aliás, sempre estiveram muito mais dentro desse negócio do que eu, e elas também sentem essa insegurança de não saber se vai surgir trabalho para fechar as contas do mês.
Aqui bate um desânimo geral, porque se eu for fazer as contas, estou há pelo menos 15 anos produzindo conteúdo para a internet, e isso nunca me rendeu dinheiro o bastante para pensar “ok, posso sobreviver só disso". Gostaria demais, porque é o que eu realmente gosto de fazer. Mas não importa o formato que eu faço — blog, vídeo no Insta ou TikTok, newsletter —, o negócio não anda. Ok, eu comecei falando de livros, o pior nicho de assunto da internet pra escolher, porque falta público. Mas não tem como não ficar descontente quando eu olho pra esse trabalho de 15 anos e não vejo o retorno pecuniário — enquanto uma potencial corna atinge milhões de seguidores sem fazer nada, e com muitas propostas comerciais apesar do zero talento para a comunicação. Tem como olhar pra esse negócio com esperança? Tem não.
Eu estava ouvindo o Conselhos que você pediu, da Bela, em que ela explana a questão do influencer como profissão. Pode ser considerado uma carreira? Ou melhor, faz sentido almejar essa “carreira"? E a resposta curta é que não, influencer não é profissão nem carreira, e se agarrar nisso pode ser um baita erro, porque é um trabalho (sim) que não oferece nenhuma segurança para quem o faz, e ainda pode foder com sua saúde mental por causa das exigências do algoritmo para você continuar relevante (e continuar tendo audiência, e seguir fechando contratos).
A Bela citou uma pesquisa divulgada recentemente pela Creators Boost da YouPix — que eu até compartilhei, aliás —, que mostra que apenas 6,6% dos influencers fecham 25 ou mais jobs por ano, a galera que realmente vive do conteúdo na internet. 20% fecham entre 12 e 14 publicidades, 21,3% conseguem entre 7 a 12, e mais da metade, 52%, conseguem apenas entre 1 a 6 jobs por ano. Ou seja, poucos influencers vivem apenas da renda de seu conteúdo. Dá para almejar fazer isso no cenário atual? Olha, até dá, mas para dar certo vai depender de inúmeros fatores — e a gente sabe que quem “dá certo” nessa área já partiu de um lugar bem confortável — por que será que os maiores influencers tendem a ser gente rica, hein?
Pra mim, o problema disso está na raiz. As plataformas não pagam pelo conteúdo que colocamos nelas. E o conteúdo é fundamental para que haja audiência nesse determinado lugar, porque né, se não houver algo interessante para ver lá, por que entrar? Então, no mínimo, esses sites e redes sociais tinham que remunerar de alguma forma quem faz conteúdo frequente para eles. Mas, claro, isso não acontece e nem tenho esperanças de que alguma regulamentação será feita quanto a isso. Então o dinheiro tem que partir de outro lugar, e temos duas opções: fazer publicidade ou cobrar da nossa própria audiência. A primeira opção é o que dá mais retorno, o que faz com que o mercado de influência seja um lugar horrível para se viver. Depender de marketeiros e das marcas não é lá muito saudável pra gente não.
Porque, sinceramente, não vejo muitas marcas prestando atenção no perfil ou no conteúdo que os influencers fazem. São poucas as que levam isso a sério. E não é só porque “ai, recebi poucas ofertas de publi” (sim, recebi poucas, e logo vem a primeira do ano, aguardem!). É porque o que mais tem por aí é publicidade mal feita ou vazia. Olha o caso da Darkside, que chamou uma influencer X para falar sobre o livro Drácula, e o que a guria fez no vídeo foi contar o plot do filme, que é diferente da história do livro. Mico? Sim, mas eles não tão nem aí, porque muita gente viu a polêmica, a guria tem muuuuuitos seguidores. A publi, no sentido mais vazio da palavra aqui, deu certo, porque o alcance foi altíssimo, e é só isso que interessa aos marketeiros. Vemos na prática quantos influencers trambiqueiros existem por aí e seguem a vida como se nada fosse, prontinhos para uma nova polêmica que vai render milhares na conta.
Para a influência ser uma carreira que se sustenta, não deveria ser essa a lógica, porque logo os números baixam e a marca some. Logo Mark Zuckerberg decide mudar a mecânica dos algoritmos e o engajamento cai. Quantas pessoas não viralizaram, fizeram muita grana num mês, e pouco tempo depois a bonança acabou porque o momento de holofote chegou ao fim? Olha, a maioria…
E, além disso, tem a questão da concentração do público em um lugar só. O que as marcas procuram hoje é gente do Instagram e do TikTok, as duas redes sociais com mais usuários no momento. Quem faz conteúdo fora desses lugares é praticamente ignorado pelas agências e empresas. É como se a internet fosse só isso, e não existissem mais sites, newsletters, podcasts, outras maneiras e lugares de se consumir conteúdo. E esses lugares tendem a reunir audiência muito mais engajada do que uma rede social, mas por terem menos pessoas lá, as marcas nem se interessam — ou, como acontece também, não se interessam porque apenas não consomem coisas fora das redes, por mais que exista público em outros lugares. Triste, um potencial absurdo sendo ignorado.
Outra coisa que venho pensando quando o assunto é ser influ é que vejo muita gente endeusando essa prática sem ter noção do quanto ela pode dar errado. Quando vejo o pessoal dizendo que o prêmio maior de estar no BBB é fazer publi e ganhar dinheiro com isso depois, por exemplo, eu só fico “mas você tá torcendo contra”? Quando a Raquele foi eliminada, umas creiças na internet disseram que a Fernanda tava errada ao ter dito que ainda dava tempo de fazer ovos de Páscoa, como se ela não “acreditasse” no potencial da Raquele na “carreira” de influencer. Mulher, desde quando ser influencer virou carreira, a única coisa a se almejar depois de um programa de TV? Como a Isabela falou, não é. Está longe disso. Ainda mais nesse mercado que, na maioria das vezes, ignora quem realmente faz algum tipo de conteúdo de verdade, que exige sentar a bunda na cadeira e pensar, planejar e informar alguma coisa com responsabilidade.
E vejo que aqui há também um problema ético. Você pode fazer dinheiro fácil na internet por um tempo, se não se importar de ir contra a lei, divulgar um produto duvidoso ou se unir a práticas que cheiram trambique. No momento, esse perfil de influencer é o mais “recompensado”. Mas vai ser sempre? Do jeito que tá, parece que sim, e isso só advoga contra o influencer, porque fica aquela noção de que é um trabalho fácil (e, sim, é) que não exige muita elaboração, e quanto menos preocupado com o seu conteúdo você for, mais parece que você ganha. Porque no fim, o que importa para quem tem a grana são os números, e não o que essa pessoa realmente faz ou diz. Se ela é relevante além do rosto bonito e dos looks caros.
E aí, como fica? Além da regulamentação das redes sociais, onde o grosso da influência acontece, é necessário também uma conscientização das agências e marcas sobre como elas querem se posicionar. A gente já cansou de repetir que, quando alguém forma uma comunidade engajada, de pessoas que realmente conversam entre si e não ficam só no like e nas reações rápidas, as chances da publi render resultados é muito maior, mesmo que os likes não cheguem a números estratosféricos. Mas isso exige um importante trabalho de pensar cada passo do que será postado, com quais marcas você vai se relacionar, e ficar regando essa comunidade para que ela não se desfaça.
E, da parte das agências e marcas, é necessário prestar atenção de verdade nessas comunidade e o que está sendo dito nelas. Consumir os influencers que contratam para além das estatísticas dos posts. Enfim, falta pensar, sabe? O que é difícil agora, entendo, porque exigem rapidez em tudo, e é tanta gente, tantas abordagens, que parece que o pessoal desiste de avaliar um influencer só de pensar no trampo que isso dá. Mas pra isso ser um mercado sustentável, é assim que tem que ser. Bem pensado, e não concentrado em apenas um lugar, um tipo de perfil, na modinha da vez que será esquecida na próxima semana. A gente pode ter um mercado de influência saudável, mas temos que trabalhar muito pra isso, e mudar muitas práticas que são usadas hoje. Se isso vai acontecer um dia, não sei.
Dicas
Assisti à Anatomia de uma queda no fim de semana e assim, que belíssimo filme. Atuações 10/10, a Sandra Hüller maravilhosa, o gurizinho perfeito, o cão inteligentíssimo, o advogado gato. Adoro filmes de tribunais, adorei que a protagonista é escritora, amei tudo. Só vejam, tá no Prime Video.
Para você fazer uma pausa de alguns minutos e ficar contemplando a força da natureza, lindíssimo esse vídeo da erupção vulcânica que tá rolando lá na Islândia. Fiquei fascinada.
Esse texto aqui do Angelo Dias sobre a estética nazista na cultura pop tá, oh, bom demais:
Na Associação dos Sem Carisma, escrevi sobre estar me aventurando mais na cozinha (o que a consciência financeira não faz, né?).
Oh, semana passada saiu o terceiro episódio do podcast para vagabunders pago. Para ouvir, é só contribuir com esta newsletter com R$10 mensais.
E é isso, fiquem com esse lindíssimo registro do gato Bartolomeu pegando um solzinho matinal em plena segunda-feira.
Tchau!
será que o sonho de ser influencer (ou o ideal influencer) é o novo ser VJ da MTV (ou o ideal VJ da MTV)? Pq eu já quis ser um e também quis ser o outro. Hoje eu quero aposentadoria, o que também é bastante impossível.
Obrigado pela mention :) e ótimo texto
Fico pensando que nenhum trabalho é realmente fácil. Influencer e outras profissões que achamos que é "ganhar dinheiro no mole" nos dá essa impressão por se tratar de algo relacionado a lazer, que proporciona ao consumidor prazer e diversão (onde prostituição é vida fácil, minha gente?).
Ser VJ da MTV era cool, divertido, fácil e o sonho de minha geração porque a gente só via a coisa ali no final pronta, feita, e nos divertíamos assistindo. Se fosse para fazer daquilo um trabalho, estudar, levar patada de entrevistado, grito de diretor no ponto, audiência assediando em telefonema, a gente ia querer passar bem longe.
Concordo demais quando você fala que os influenciadores de maior sucesso e ganho são aqueles que já partiram de um lugar de privilégio. Até porque se ganha público em grande volume quando se ostenta (ou quando se vai para o extremo oposto, utilizando a pobreza/miséria como conteúdo).
Obrigada por esse texto, Tai, adoro suas reflexões. Ainda estou digerindo e pensando em várias coisas aqui.
beijos.