Eu estava prestes a cometer uma edição nesta newsletter sobre o coitadismo que assola o Substack, mas a Isadora Sinay fez isso muito bem feito antes que eu sentasse para escrever:
“Boa parte das newsletters aqui não são uma conversa, elas são um monólogo. Elas são um derramamento de si que não convida o outro, que não diz nada para ele. É óbvio que tudo que me acontece é relevante para mim e eu vivo interações banais como significativas, mas eu não sou a medida de todas as coisas e para se escrever algo que vai tocar o outro é preciso, exatamente, sair de si mesmo, estender uma mão, fazer um convite.”
Esse trecho destacado define o que ando vendo nesse “novo” ambiente digital. Assim como todo mundo acha que tem uma vida interessante para transmitir no Instagram, muita gente aqui se considera merecedor de atenção apenas porque decidiu escrever sobre mais um dia ordinário. Nada contra newsletters (e blogs) pessoais, até porque esta é uma, mas me desanima o tanto de autores que choram aqui porque não têm inscritos o suficiente, não têm a atenção que eles acham que devem receber.
Somos um animal com ego imenso, e nada alimenta mais ele do que alguém dizendo que gostou do que você escreveu ou do que você falou em um vídeo de 30 segundos. O botão de like descarrega aquela euforia que deixa a gente feliz, e buscamos por mais reações de encorajamento como se elas fossem a única coisa que importam. Impactar o mundo com suas ideias que, numa olhada superficial, até poderiam ser inovadoras. Mas a gente sabe que “inovação” virou um conceito vazio depois que a tecnologia se apoderou dele — e a extrema-direita, que ama se propagandear como uma vertente política que busca “inovar", como se houvesse algo novo na exploração do trabalho alheio.
Bem, voltando ao raciocínio: me pergunto se essas pessoas, ao escreverem, chegaram a pensar se o que elas estão botando na nossa caixa de entrada é realmente digno do nosso tempo. Assim como é impossível eu dar conta de tudo o que eu quero ler, fora o que ainda não foi sequer publicado, imagina com as newsletters que acompanho. Não posso ler tudo, não tenho tempo para isso. Também não vou ler todo texto de algum escritor ou escritora porque nem todos vão me interessar. Da mesma forma, não espero que tudo o que eu faça aqui seja lido, porque quem me assina também tem coisas mais importantes para fazer na vida, coisas mais interessantes para ver e ler, do que zerar todas as 187 edições que esta newsletter tem. A vida é curta pra dar atenção para tudo e todos.
Mas aí o cidadão chega nesta plataforma sem nunca ter criado um público na vida e espera que seja exaltado com likes, comentários, compartilhamentos e, mais importante de tudo, inscritos. Condicionam a própria criação para a recompensa imediata que ela pode trazer em forma de engajamento, capital social (digital), como se isso fosse pagar o nosso aluguel (não vai, mas pode levar até isso). Os posts dessa gente geralmente apresentam um tom de coitadismo que me afasta de querer descobrir algo novo. “Ainda sou tão pequenininha aqui, comente para eu conhecer mais gente e a gente se seguir", diz uma galera que é incapaz de ler e comentar outras newsletters. Incapaz, inclusive, de fazer uma curadoria de autores por conta própria, a ponto de pedir que outros usuários façam essa peneira para ela.
Se você já cometeu esse tipo de post com a vibe de “ninguém olha pra mim, por favor, me olhe", quero propor aqui uma reflexão: o que você tem de tão importante para dizer? No que o seu texto se diferencia dos outros 5.000 conteúdos que tratam do mesmo assunto? Quantas newsletters vocês acompanham e engajam? Há quanto tempo você está aqui escrevendo, 5 anos ou 5 meses (ou abriu seu perfil semana passada e já tá desesperado por seguidores)? Por que o número de inscritos te afeta tanto? Por que você despreza as poucas pessoas que já te leem querendo sempre mais?
Antes de fazer um post mendigando atenção, gaste sua energia respondendo a essas perguntas e fazendo a lição de casa de quem escreve na internet: leia mais, escreva no seu tempo e tenha paciência. Tem gente que vai chegar aqui nos comentários e dizer “aaaai, pra quem tem tantos seguidores como você é fácil falar…", e pra vocês já respondo que, se eu tenho quase 9 mil leitores gratuitos aqui, é porque eu escrevo há mais de 10 anos. Você pode ter chegado aqui agora, como se as newsletters fossem uma grande novidade do mercado (não são), mas eu tô aqui construindo um público e escrevendo antes do Substack sequer existir (como é bom você pegar sua lista de e-mails e levá-la para qualquer lugar, né?).
Então não, você não vai chegar no meio da viagem com lugar reservado na janela e espaço para esticar as pernas (leia-se ego). Ninguém aqui tem a obrigação de te dar engajamento ou de te ler. Ninguém aqui merece mais atenção do que um filhote de cachorro. E o mais importante: se você relaciona escrita com o número de leitores que isso vai te trazer, você está escrevendo pelos motivos errados. Melhor tentar outra carreira, talvez como uma das subcelebridades que fazem de tudo por 2 minutinhos de entrevista no TV Fama.
A edição de hoje já traz um pouco do que vai ter no curso Conteúdo Além das Redes que eu vou dar na Escrevedeira agora em julho. A ideia do curso é refletir sobre nossa presença nas redes sociais, como Instagram e TikTok, como podemos deixar elas de lado e nos concentrar numa produção mais cuidadosa desse conteúdo em outras praças — como as newsletters.
As aulas começam no dia 10 de julho, e serão 3 encontros online para falar sobre escrever na internet fazendo um detox da lógica dos algoritmos, e aí vou falar também sobre construção de uma comunidade, desafios atuais para a produção (como as IAs), enfim, como a gente pode pensar nossa atuação na internet de uma maneira que faça mais sentido.
As matrículas estão abertas aqui!
Hora dos links
Começando com link meu mesmo: saiu o episódio de junho do Vagabundacast, que eu mando todo mês para os assinantes pagos da news. Dessa vez falei de pau que presta, mais xingamentos à IA, e das coisas que li nos últimos dias. Ah, e tem 10 minutinhos de amostra grátis para te incentivar a assinar. ;)
Sobre como a Folha anda reacionária: “A surpresa é perceber que a máscara caiu, e o que era comentado em salas de reunião agora rende coluna de jornal. Os ricos não têm mais vergonha de assumir sua ganância e seu descompromisso com a sociedade. Para a Folha, essa atitude é apenas uma questão de opinião. E não de caráter.”
O Igor Vida vem publicando textos maravilhosos aqui sobre livros. “Turkle ainda nos relembra que em ambientes digitais, a cultura do cancelamento e a lógica dos fãs sufocam o debate qualificado. Se apenas elogios forem permitidos, a literatura vira performance de autoafirmação. A acusação de traição dentro de movimentos sociais, como a que Fabiana Moraes recebeu, muitas vezes silencia vozes dissidentes, vozes essenciais para evitar a canonização acrítica de obras e autores.”
Esse texto do Levino sobre a catarse que é um show do Wilco.
Mais uma canetada da Mariana Coutinho (que talvez eu já tenha indicado aqui, não lembro, mas como esses dias vi gente falando sobre “treinar” algoritmo, é bom indicar): “O algoritmo trabalha para a rede social e, em parte, para seus anunciantes. O algoritmo é um código escrito por programadores da redes social e não é por se adequar a algumas manifestações de preferências suas que você tenha qualquer controle sobre ele.”
Reclamando de IA: essa matéria o The New York Times sobre surtos psicóticos engatilhados pelo ChatGPT é bem assustador — e é para ficar assustado mesmo. Tem um movimento de endeusamento dessa tecnologia que já extrapolou o saudável. Leia aqui. E para ter mais exemplos de psicose induzida por essas IAs, saiu também essa matéria do Futurism sobre pessoas que foram internadas e presas depois de entrarem em surto.
E essa matéria do Times sobre um estudo do MIT sobre os efeitos do uso do ChatGPT no nosso cérebro. Spoiler: o fim do pensamento próprio. “The group that wrote essays using ChatGPT all delivered extremely similar essays that lacked original thought, relying on the same expressions and ideas. Two English teachers who assessed the essays called them largely ‘soulless.’ The EEGs revealed low executive control and attentional engagement. And by their third essay, many of the writers simply gave the prompt to ChatGPT and had it do almost all of the work. ‘It was more like, ‘just give me the essay, refine this sentence, edit it, and I’m done,’’ Kosmyna says”. Leia aqui.
Encerro com um lambeijo:
Tchau!
O que mais me pega nesses habitantes da coitadolândia é a enorme falta de respeito com quem está trabalhando duro há X anos.
Foi relativamente comum, quando cometi meu primeiro livro, pessoas (de dentro e fora da literatura) chegarem sem nenhum tato perguntando "e como é que você fez pra publicar?", mas num tom bem bosta de "se você fez, é só eu querer que faço igual" ou "me mostra sua fórmula que eu quero copiar e ter também um livro (que eu nem escrevi) publicado", ignorando completamente que o único jeito era ler pra cacete, escrever, reescrever, estudar o mercado editorial, entender quais os caminhos para enviar um original, estreitar laços, fazer algumas danças importantes, consolidar minimamente um currículo, ter um livro minimamente bom.
Nos anos seguintes, o mesmo mantra seguiu: "mas como é que você faz pra vender livro?", "como é que você chega no leitor?", "mas como você deu curso em tal lugar?", "mas como você conseguiu ser resenhado no jornal?". Trabalhando, caralho. Há 15 anos. Só que essa é a resposta que a pessoa não quer escutar, assim como quem que deseja mudar de corpo e não quer ouvir "mexi na alimentação e fiz exercícios". A galera delulu acha que a única coisa que falta pra ela é "ser descoberta". Sorte nossa é que poucos serão mesmo.
tenho muita preguiça dessas pessoas que querem seguidores a todo custo, como se um número alto deles fosse a métrica mais relevante do universo. de que adianta tem 100 mil inscritos e ninguém ler o conteúdo, não comentar, não formar uma comunidade? o mais legal desse espaço, para mim, é a possibilidade não só de ler, mas de poder comentar, trocar impressões sobre os textos. likes vazios não dizem nada…