sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #129
Sobre tempo, redes sociais e o que ela nos rouba
Cadê o tempo que estava aqui?
Na adolescência quase entediante que vivi, muitas vezes me pegava fantasiando como seria ter nascido no passado. Sempre tive fascinação com as épocas que eu não vivi: como será que eram os costumes quando não havia tanta tecnologia e correria, quando levava semanas para você receber notícias de alguém que vivia longe, pois só haviam cartas, quando uma viagem para cruzar o oceano poderia levar meses. Ao mesmo tempo em que tudo parecia dar trabalho demais, o mundo vivia num ritmo muito mais calmo — claro, dependendo muito de em qual classe social você estivesse inserido —, uma experiência bem diferente de como é hoje, onde tudo tem que ser rápido e instantâneo.
Esses dias me peguei pensando (de novo) no tempo: em como ele pode demorar para passar e, ainda assim, parecer que os anos 2000 foram ontem, e não há mais de 20 anos. No tempo que sinto que me falta mesmo quando estou afundada no tédio e as coisas parecem não andar. No que eu faço com essas 24 horas que eu tenho no meu dia, o que consigo realizar e o que acabo deixando para depois e, mais uma vez, me arrependo de não ter aproveitado melhor esse tempo fazendo algo não necessariamente útil, mas fazendo algo efetivamente.
Sinto que a internet vem roubando meu tempo. A relação que eu tenho com ela hoje é bem diferente da que eu tinha em 2004, quando ganhei meu primeiro computador com acesso à internet discada. Lá meu tempo conectada era valioso. Eu aproveitava cada segundo conversando com alguém, lendo blogs, pesquisando coisas, baixando músicas que, antes, eu tinha que torcer pra tocarem na rádio. Era tudo uma novidade, era tudo excitante.
Hoje, estar conectada é fruto de constantes frustrações. Se eu passo uma hora atualizando a timeline do Twitter porque algum assunto está em evidência, é como se eu tivesse jogado um dia inteiro de tempo útil fora. Quando percebo que rolei demais a aba Explorar no Instagram vendo coreografias de K-Pop, looks fora do meu alcance e tutorial de unhas, me bate um desânimo por ter deixado esse tempo voar longe sem ter feito algo mais “produtivo". Eu não estou ganhando muita coisa além de desejos e frustrações presa nas redes sociais. E mesmo assim não consigo parar, é um vício.
Não que eu queira ser produtiva durante todo o meu dia. Esse é um mal do qual me libertei assim que deixei de ser CLT. Porque o esperado, hoje, é que você produza 24 horas por dia — se não para o seu emprego formal, então para seus projetos pessoais. Não há cabeça que aguente trabalhar durante horas seguidas sem um descanso, e uma coisa que esse “mundo moderno” nos tirou foi isso.
Lá na roça, por exemplo, o trabalho era constante e cansativo. Trabalho físico pesado, que te deixa quebrado no fim do dia. Mas uma coisa que meus avós e tios que trabalhavam no campo sempre davam importância era esse momentinho de descansar. Tirar uma sesta depois do almoço é tradição até hoje em boa parte da minha família paterna. Pausar a labuta e tomar um chimarrão também. Por mais pesado que o serviço era, ele tinha seu tempo para ser feito, e isso era respeitado. Não havia mil coisas acontecendo simultaneamente para você dar conta, como é a minha rotina hoje.
Por tudo ser tão rápido, a vida me parece incerta. Olhar para o passado sempre me espanta, também, porque eu vejo o salto que as coisas deram, e acho que a gente não tem capacidade de acompanhar essas mudanças, ou de nos prepararmos para elas. São milhões de anos de evolução humana para chegarmos nessa configuração que temos hoje, com este cérebro, e, nos últimos 200 anos (e, principalmente, nos últimos 20), as coisas foram evoluindo numa velocidade tão absurda que, sinceramente, acho que a gente ainda não assimilou. Doido pensar que, até o início dos anos 1990, essa coisa de computador era invenção da ficção científica, ou um item só pra quem tem grana, e agora cada cidadão anda com um mini-compiuter na mão e não desgruda dele. E as coisas continuam avançando, e sabe-se lá onde vamos parar e o que isso vai impactar na nossa sobrevivência. Me pergunto se as gerações que vieram depois de mim pensam na vida pré-internet, em como deveria ser, mas acho difícil, sendo que já nasceram com ela aí, bombando.
Agora que somos uma sociedade cronicamente online, acredito que estamos jogando muito do nosso tempo fora. Por exemplo: quantas vezes não me perguntam o que fazer para ler mais, para ter “tempo” para ler. Não dá para adicionar mais horas no seu dia (graças a Deus, porque se tivesse um jeito, o mercado já teria feito isso), então pensa aí o que você faz que não te deixa tempo para mais nada? Quantas horas você gastou no Twitter e no Instagram? E no TikTok (aquilo é uma praga difícil de largar, evito usar porque sei que, se o algoritmo acertar, é bem capaz de eu ficar duas horas vendo vídeos)? Quantos episódios da última série do momento você viu um atrás do outro? Porque você não escolheu usar esse tempo pra alimentar o hábito de leitura que tanto deseja ter?
Porque a gente tá no automático, né? Mais fácil abrir o app da Netflix na TV e ficar olhando o catálogo do que ir atrás de outras coisas para fazer. O celular tá na mão, cheio de possibilidades de entretenimento vazio oferecido pelas redes sociais, o polegar latejando pra dar mais um like no post de alguém. Tudo pensado estrategicamente para te prender pelo maior período possível, literalmente roubando o nosso tempo para ver anúncios que geram grana pro Mark Zuckerberg. E a gente sequer tem a liberdade de escolher o que vai ver, graças aos algoritmos. A nossa cabeça ansiosa por recompensas e novidades não aprendeu, ainda, a resistir a essas armadilhas da atenção (a não ser que você seja minha mãe, que nunca entrou na internet e está imune a todas essas coisas, sábia é ela).
E é daí que vem essa idealização minha do passado. Claro que sou muito grata por ter nascido em um mundo moderno, com sistema de tratamento de esgoto, água quente, eletrodomésticos, vacinas, médicos que aprenderam que é necessário lavar as mãos antes de operar alguém, escadas rolantes… Se tivesse nascido no século XVIII, antes da famosa Revolução Industrial, é bem provável que eu já estivesse morta devido as condições de vida da época. Mas eu teria tempo. Eu viveria num ritmo mais calmo, porque aquela vida não tinha como exigir velocidade. Eu sentaria na minha escrivaninha e escreveria por horas a fio. Faria caminhadas pelo campo com meu cachorro para observar a natureza, sentaria numa poltrona e leria, conversaria com as pessoas sem distração. Não seria cobrada a cada hora, por outras pessoas ou por mim mesma, de fazer algo “produtivo".
Se eu pudesse desejar alguma coisa agora, pediria que o mundo desacelerasse pra gente ter tempo de assimilar o que está acontecendo. Reaprender a viver devagar, a saborear a passagem do tempo, a ver essa passagem acontecendo através das nossas próprias ações, sem distrações digitais criadas para fazer com que a gente queira ficar ainda mais preso nesse mundo de posts e engajamento. Nosso tempo está tomado por isso, e gerando ansiedades que sequer deveriam existir. Uma pausinha no mundo pra gente reavaliar o que faz com as hora do dia para, sei lá, me sentir um ser humano completo, e não um compilado de dados num relatório mensal de engajamento de uma rede social.
Outras dicas
Eu meio que tive a ideia desse texto depois de ler essa edição da news da Ana Rüsche sobre hábito de leitura, principalmente na parte que ela fala da importância de tirar uma sonequinha para reter o que você leu. Aqui ela fala especificamente sobre as "leituras por obrigação", em como dar conta de páginas e páginas de texto sem se sentir destruída. Mas vale pra pensar na leitura em geral, que exige uma dedicação maior do que qualquer coisa que você faça no celular.
Outro post que me fez pensar foi esse aqui do André Carvalhal sobre o “boom” de atividades ao ar livre. Doido pensar que enxergamos isso como uma novidade, algo tão comum na existência humana em toda a sua história. Mas, como disse, a conectividade vem sequestrando a nossa vida, né? A ponto de “viver ao ar livre” ter virado outra tendência comportamental (e oportunidade de negócio) quando deveria ser o básico. E leva a pensar, também, em como as cidades são pensadas para que fiquemos cada um dentro de seu apartamentinho, sem socializar. Enfim, bora dar um rolê no parque.
Tava salvo aqui no Substack essa edição da Margem sobre o futuro da internet estar no passado. Ela fala de um artigo que comenta as visões de Neil Gaiman e Cal Newport, que enxergam a volta dos blogs como um meio da gente quebrar essa lógica esdrúxula de consumo criada pelas redes sociais. Olha só: “O futuro da internet que mais me entusiasma é, de muitas maneiras, uma imagem instantânea de seu passado. É um lugar onde pessoas como Neil Gaiman não precisam alimentar seus pensamentos em um motor de engajamento, mas podem, em vez disso, colocar uma placa virtual em seu próprio pequeno pedaço de ciberespaço e atrair e construir uma comunidade mais íntima de viajantes com interesses semelhantes.” Olha, é o que eu quero que aconteça, viu?
Como gostar do nosso corpo do jeito que ele é, nesse mundo cão que quer ditar como você tem que ser? Esse foi o tema do papo da última sexta lá no Ppkansada, e convidamos a Laís Conter pra filosofar com a gente sobre isso.
E por aqui ficamos. Ando matutando sobre maneiras de ganhar dinheiro com o que escrevo, e, claro, além de estar aberta para freelas (oi, gente!), gostaria de fazer algo com essa newsletter. Pensar em algum conteúdo bacana para assinantes enquanto esse esquema de texto semanal continua gratuito. Aí pergunto para vocês: o que gostariam de receber caso pagassem pela assinatura? Penso em, talvez, até transformar o Santa Reclamação de Cada Dia num conteúdo pago aqui dentro. Mas me digam o que chamaria a atenção de vocês para assinarem. :)
Obrigada por lerem até aqui, e até semana que vem!
Tô tentando passar menos tempo no instagram (a única rede social que consome minha atenção), mas a sensação é a de que to largando um vício de anos. É extremamente agoniante quando o celular bloqueia o app pq já deu o tempo limite. Bizarro. Não duvido que futuramente existam reabilitações e grupos de apoio para viciado em redes sociais
tenho tentado desacelerar e boa parte disso tem a ver com reduzir o tempo online. ando com cada vez mais bode das redes sociais (e olha que só uso o instagram), que mostram o que os algoritmos acham que eu quero ver, e não o que eu de fato quero ver (as publicações dos meus amigos).