sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #130
Quero fugir da minha família
Ah, a família. Nossa base na sociedade, nosso porto-seguro em meio a esse mundão cheio de perrengues. Não há nada mais sagrado do que a família, o laço de sangue e o laço da criação. Ela deve ser protegida, resguardada, recuperada em todos os seus problemas.
Pois eu acho que não. Recebi lá no formulário do Pergunte para a vagabunda a seguinte questão:
Como lidar com a família? Como lidar com as pessoas difíceis na família (praticamente todo mundo)? Às vezes (na verdade, na maioria das vezes) quero sair correndo e nunca olhar pra trás. Mas ainda amo essas pessoas. Como lidar com as merdas familiares sem surtar e sem deixar que tirem a sua dignidade?
Bem, começando com a resposta curta: o melhor jeito de lidar com uma família que suga sua vontade de viver é se afastando dela. Não tem jeito. Você não vai conseguir corrigir os problemas que existem nesse meio, e nem deve tomar para você essa responsabilidade. Se as atitudes deles te incomodam e não se alinham com o que você pensa da vida, apenas ame seus parentes de longe. A não ser que você aprenda a ficar por perto sem ser atingida por eles, o que não parece ser o caso. Então, o jeito é fugir mesmo. E faça isso sem culpa.
Eu vou ser bem sincera aqui: eu odeio esse conceito tradicional de “família" que diz que a união deve ser preservada e que ela tem que estar sempre por perto. Acho que é mais uma ferramenta de controle do outro do que algo lindo e divino. A noção familiar é cheia de regras que são deturpadas para você ter que perdoar todas as falhas dos seus familiares por conta do laço de sangue. Quantas histórias de manipulação emocional e física não conhecemos vindo de membros da nossa própria família, não é? E isso que considero os meus parentes muito de boas, nunca tive grandes embates ou discussões com eles (talvez, justamente, por morar longe por tanto tempo). Mas uma coisa certa pra mim era que eu não precisava jamais viver sob a proteção do seio familiar, tendo que comparecer a cada almoço de domingo na casa da vó para ver a parentada.
Eu me sentia sufocada vivendo perto dos meus tios, tias e primos. Venho de uma família grande, cada avó teve uns 10 filhos, todo mundo morando próximo um do outro, então imagina como era. Tudo era família, tudo era um motivo para a reunião dessas pessoas que já se viam todos os dias, todo mundo sabia da vida do outro. Sair do interior, como escrevi há algumas edições, foi fundamental pra mim, e muito também por aprender a viver longe daqueles que estiveram ao meu lado enquanto eu crescia.
Eu amo a minha família, mas amar não significa que eu precise conviver toda hora com eles. Eu desejo coisas boas para os parentes, mas não posso fazer muito mais do que isso, e nem quero. Não é porque nasci dentro desse grupo que eu tenho que fazer parte de tudo o que envolve ele e que a minha vida vai orbitar em sua volta. E não é porque nasci nessa família que os problemas de seus membros passam a ser, automaticamente, os meus problemas.
Definitivamente, eu não tenho nada a ver com o que meus familiares fazem da vida. Quando volto pra Santa Catarina, vez ou outra alguém joga um comentário como “mas quem vai cuidar da sua mãe, quem vai cuidar de você", e respondo apenas que, quando precisar, posso cuidar, respeitando meus limites como indivíduo — e minha própria mãe já disse várias vezes pra esses mesmos parentes que não me criou pra eu virar cuidadora dela na velhice, então tá tudo bem. E é disso que a gente precisa se desprender, dessa noção de que “devemos algo” a eles e, por isso, devemos aturar tudo o que jogam pra cima da gente.
Bem, eu não pedi pra nascer, né? No estado depressivo em que me encontro, ter nascido não é visto como uma grande dádiva que me foi dada, mas sim como um fardo. Minha família fez o melhor que pode para me criar e orientar, mas isso não foi um “favor” feito a mim. Isso foi apenas a obrigação deles. Lembremos: temos leis e afins, e dar comida, moradia, saúde e educação para uma criança é o mínimo. Sou grata, mas não devo nada a meus pais, meus avós, meus tios, porque eles me criaram. Não preciso retribuir, não tenho dívida alguma com eles. Mas a parentada gosta de usar isso como uma forma de jogar na cara que você precisa dar seu sangue pela família porque eles te “acolheram". É um vespeiro de traumas e cobranças. E quando é assim, tenha certeza que o afastamento é o melhor. Melhor para você aprender que não precisa agradar a sua família e fazer o que eles esperam de você. Melhor para você se conhecer como indivíduo, sem interferências das crenças familiares que, pelo jeito, não são as suas crenças.
Você pode estar se sentindo culpada por querer se afastar de quem você ama, mas tem hora que é necessário. Quem sabe, depois de alguns anos longe, sua relação com eles até melhore. Ou, quem sabe, nunca vá melhorar, mas pelo menos você aprenderá que essa marimba não é sua para ficar segurando durante a vida toda. Mas o negócio é que se afastar é importante, é necessário, para você não virar mais um fantochinho do teatro familiar. Cada um segue seu caminho e faz sua própria vida, né? Faz seu próprio corre, faz o que está ao seu alcance e, principalmente, se priorize. Se fugir é a sua vontade, apenas fuja. E quem se incomodar, que se incomode na sua própria casa.
Quer eu dando palpite na sua vida também? É só mandar sua questão aqui pro Pergunte para a vagabunda.
Dicas
Fui ver A sociedade da neve na Netflix e amei, viu? Já conhecia bem a história do “Milagre dos Andes” pelos documentários de acidentes aéreos (que eu amo ver), mas o filme me deu outra dimensão do acontecido. Conta a história de um vôo fretado da Força Aérea Uruguaia que caiu na Cordilheira dos Andes em 1972, a caminho do Chile. Os sobreviventes passaram 72 dias no meio da neve, tentando sobreviver se alimentando dos corpos daqueles que morreram, uma coisa simplesmente horrível, mas necessária. Fiquei de cara com a vontade que esses caras tiveram de viver, eu não seria capaz de fazer nem metade. Depois do filme, tem um mini documentário falando da produção do filme, com entrevistas com os sobreviventes, e o trabalho que fizeram pra reproduzir o que aconteceu foi absurdo. Aliás, o filme está concorrendo ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, vale demais ver.
Bora ouvir um k-popzinho gostoso? Na minha rádio mental anda tocando Kiss Of Life, um novo grupo que debutou no ano passado, e a novidade quando elas chegaram foi que todas eram maiores de idade — sim, this is a thing no K-Pop, vide NewJeans e um outro grupo que surgiu também ano passado que tinha uma guria de 13 anos. E por elas já serem DIMAIOR, o som é mais adultinho, mais MÚSICA DE LOBA.
No Ppkansada da semana passada falamos sobre estar satisfeitas com a vida e com nossas conquistas (o que não anda sendo meu caso, mas tenho que aprender isso aí).
A Ana Rüsche tá fazendo uma série de textos bem legais sobre o hábito de leitura. Fica a recomendação para quem tá querendo ler mais!
Recadinho: conforme comentado na edição da semana passada, estou planejando fazer um conteúdo pago aqui na news para, quem sabe, eu complementar a renda, pois tá foda. Minha ideia inicial é fazer um apanhadão geral do mês em podcast falando das coisas que aconteceram, deixando dicas, complementando alguns temas da newsletter. Enfim, como um Santa reclamação de cada dia, só que maior e mais recheado. Me digam aqui se curtem essa ideia!
Até semana que vem, bom Carnaval pra vocês. <3
Importantíssimo esse assunto, principalmente por mulheres serem crucificadas quando decidem se afastar da família. Afinal, o BO de cuidar dos pais, tios, avós sempre recai sobre nós. E aí o que fazer com a culpa que isso gera? (escrevi sobre isso semana passada).
A perspectiva de gênero é importantíssima. Também penso que qualquer um deveria se afastar da família se, mesmo depois de muita terapia, aquelas pessoas te fazem muito mal. Mas como dizer isso, por exemplo, para um homem que, se se afasta, deixa a "responsabilidade" cair no colo da única irmâ? Mandei um email mais detalhado pra Bela no conselhos, porque quero outras visões dessa discussão. Se algum dia quiser jogar conversa fora, tamo aí (adoro seus textos e podcasts :) parabéns pelo trabalho!
família de verdade é aquela que a gente escolhe e constrói, independentemente de laços de sangue.