Morre a inesquecível rede social
Quem leva trabalhar com redes sociais a sério já está há algum tempo preocupado com a viabilidade do Instagram. Não é de hoje que a plataforma é uma das piores para se estar em se tratando de resultados e, vai lá, relevância. Porque se uma rede social não faz o que ela se propôs a fazer — conectar pessoas —, já dá para decretar o seu fim, né?
É difícil largar o osso quando a gente já passou tantos anos mastigando ele. Estamos acostumados, há mais de 10 anos, a compartilhar nossas fotinhas de férias, bichos, comida e afins, acompanhar os rolês dos amigos enquanto ficamos na paz de casa, a nos sentirmos próximos daqueles famosos anônimos cuja atenção tanto ansiamos. O Instagram virou a vitrine, a loja, o departamento de marketing, a ponto de todo profissional, seja a qual área pertença, se sinta obrigado a ter sua presença digital nele.
A gente cometeu um erro terrível ao fazer do Instagram um ecossistema de comunicação e marketing — e me incluo nessa, tá. Usar uma plataforma de uma empresa privada, de outro país, sem nenhuma responsabilidade jurídica aqui ou regulamentação, deixa a gente de mãos atadas, porque não temos como cobrar o Instagram de fazer o seu serviço. E nessa animação infantil de fazer parte desse ambiente digital, vendemos nossos dados, nossas fotos, nossa atenção para encher os bolsos de Mark Zuckerberg com moedinhas de bitcoin — e encher os datacenters com o que produzimos para treinar uma inteligência artificial.
Para o influencer e a marca com presença majoritária no Instagram, os últimos meses são de desânimo total. Não sei se tem um efeito TikTok aí, porque tem muita gente que não se dá bem com o app (eu inclusa, não uso mais e simplesmente desisti, não me interessa ficar vendo vídeo curto um atrás do outro), mas se for comparar o engajamento e alcance dos posts das duas redes, o TikTok dá de 10 a zero. Para se sair bem no Instagram, só desembolsando dinheiro. Não basta pagar o influencer pelo conteúdo, tem que pagar a plataforma para que ela distribua esse conteúdo para quem já escolheu receber tudo o que você posta. O Mark é o malandro que nem precisou sair de casa para fazer toda uma cadeia de negócio de trouxa.
A preocupação com quem trabalha com as redes, e tem muita gente séria que faz isso, ignorem Virgínias e afins, é de que em breve o pessoal vai ter que partir pra outras praças. Ou se encontra numa outra rede social, ou parte de vez para o trabalho formal, porque os pedidos de orçamento são cada vez mais escassos, as publis, então, entram menos ainda. De dois anos pra cá, muita gente que conheço que fez um nome nas redes durante a pandemia de covid teve que puxar o freio, fazer uma volta de 180º e retornar pra uma agência de publicidade, porque o Instagram não paga mais as contas. E como esse é um grupo profissional que nunca nem sonhou em se organizar para exigir alguma segurança nessa atividade, é difícil que a gente consiga, em pouco tempo, pensar em estratégias para transformar o trabalho nas redes em algo mais concreto.
É um caso claro em que todo mundo perde, menos o Zuckerberg. Porque a plataforma dele ainda tem relevância em número de usuários, e as agências de publicidades só sabem trabalhar com números, mesmo tendo plena consciência de que essa é uma área super subjetiva e muitas vezes maquiada. Não faltam criadores de conteúdo que atuam em outras redes, como YouTube, podcasts, aqui no Substack, que entregam algum entretenimento ou informação válida e encontram uma dificuldade imensa quando tentam monetizar essa atividade, porque o que interessa para a publicidade é a presença dessa pessoa no Instagram. Na minha cabeça, não faz sentido uma marca querer trabalhar apenas na base do reels de até um minuto ou no combo de stories quando a pessoa pode entregar muito mais se essa publicidade for bem inserida naquilo que ela tem a entregar de verdade — um apoio no podcast, no canal, num texto.
Insistir apenas no feijão com arroz do reels e stories é meio que jogar o seu orçamento de marketing fora. Eu não vou parar para ver um vídeo que entrega apenas publicidade, por mais engraçadinha que ela seja. Porque não me interessa ver uma propaganda pela propaganda. Eu quero algo que me entretenha e, se houver um anúncio no início ou no meio, eu vejo de bom grado, porque tem algo ali sendo entregue pra mim além do puro consumismo. É uma lógica tão simples, mas parece ser impossível entrar na cabeça das marcas e agências. A propaganda deve ser uma maneira da pessoa custear a sua produção, e não a atividade principal, o fim em si mesmo.
Se houvesse um interesse real de transformar esse ambiente em um negócio sólido, a gente já teria uma regulamentação, teria fiscalização para punir a propaganda enganosa e golpista, teria um registro dos profissionais e garantias para que eles exercessem sua produção de conteúdo sem cair na armadilha do algoritmo que transformou quase tudo do Instagram em uma massa insossa de conteúdo, onde todo mundo tem que falar parecido para agradar a plataforma. Quando deletei meu perfil, não foi só porque a Meta se revelou uma empresa de merda, foi também porque tudo o que me aparecia na timeline me irritava. Até o que eu costumava gostar perdeu a graça, porque virou um grande mais do mesmo.
Aí pergunto: por que seguir atuando num espaço que sabemos que não funciona mais como antes? Não estaria na hora de ser um pouco mais inteligente e cuidadoso com como ganhamos dinheiro na internet? Não acho que a solução seja apenas receber apoio de quem te vê ou lê, porque a conta no final do mês não fecha se você acompanha 10 criadores e quer apoiar todos eles. YouTube e TikTok, diferente do Instagram, têm um sistema que paga por visualização — mesmo que pouco —, então pelo menos você ganha algum dinheiro da plataforma para estar produzindo conteúdo lá dentro. Enquanto do Instagram você recebe apenas um tapinha malandro nas costas de “boa, queridão, trabalhe de graça pra mim, e engula mais uma publi aqui".
Sem falar em toda a questão da atenção. Esse negócio de ficar insistindo em vídeos curtos tirou a paciência da galera para ler um texto com mais de 5 parágrafos, assistir a um filme sem pegar o celular porque em 10 minutos sua mente já dispersou. Imagina, 10 anos de pular de um vídeo pro outro a cada minuto, o cérebro desaprende o que é atenção e pra que ela serve. E o que fica na memória de quem vê uma publi atrás da outra? Nada, né. Depois do dedo apertar o like para fazer parte do relatório de desempenho da publicidade, a cabeça esquece o que o influencer tava vendendo. Parabéns, sua publicidade entrou por um ouvido e saiu pelo outro!
Outra coisa que sempre me pergunto é: dá pra confiar nesses números? Porque o movimento atual do CEO reptiliano é investir em IA para interagir com os usuários. O ChatGPT abriu essa porteira em que a galera busca o conforto existencial numa máquina que te fala tudo o que você precisa ouvir — até dizer que te ama ela vai dizer, se você pedir com jeitinho. Eu desconfio do próprio impulsionamento que o Instagram oferece, que pra mim é meio que uma compra de likes, uma maneira de inflar números para parecer relevante. Em breve, o Instagram vai virar uma plataforma de bots, não de gente.
Enfim, diariamente eu estou reclamando das redes sociais por N motivos: o algoritmo cagado, os CEOs trambiqueiros, a falta de moderação e responsabilidade das plataformas para discursos de ódio e afins. Mas o que me irrita agora é a insistência das marcas em querer atuar num barco que está prestes a atingir o fundo do oceano. Já afundou, e tá afundando todo mundo junto. Mas alguém vai mudar a lógica desse mercado? Duvido. Virgínia acabou de fechar mais uma publicidade de milhões para seus seguidores zumbis e a máquina segue girando…
Se vivemos os primeiros anos da nossa vida adulta sem o Instagram, a gente pode sobreviver sem ele e apostar nossa atenção e dinheiro em algo menos filho da puta e que faça mais sentido.
Eu quero uma vida de loira platinada
Por Claudio Thorne
Fruta falsa
Eu vi aquela maçã de longe, dei algumas voltas na loja e, dentre corredores e corredores de utensílios não muito úteis, como formas de gelo estampadas no formato do Mickey Mouse e espumadeiras de plástico capazes de amolecer na água morna do meu banho, o vermelho super intenso e o brilho da maçã pairavam dentro minha cabeça desde o primeiro contato com a “fruta”.
Meu corpo, inconscientemente, retomava a imagem dessa maçã nos meus pensamentos, como se estivesse apenas interessado nela, como se seu gosto, mesmo que ainda não provado, fosse como uma música da Sophie Ellis Bextor nos seus anos de rock. Quando finalmente cheguei ao seu corredor, meus olhos já sabiam para onde olhar.
Como nenhuma fruta antes me despertou, infelizmente, desejei morder aquela maçã com força suficiente para que meus dentes fossem até o final. Porém, antes que pudesse iniciar o trajeto contemplado por doze corredores à esquerda, caí na realidade de que o local em que eu estava não era uma frutaria, e que aquela maçã não era real.
Naquela loja de 1,99, por mais que eu estivesse circulando por objetos baratos e de baixa durabilidade — aliás, nada melhor do que circular por lojas desse tipo —, por incrível que pareça, não perdi meu desejo incessante de morder aquela maçã. Era como se, no lugar errado, na hora errada, a vontade fizesse tudo parecer certo e mostrasse a beleza que existe na intenção de uma mordida cheia, mas não se deve gastá-la em um objeto vazio.
Diquinhas
Comecei a ver a segunda temporada de The Rehearsal, na Max (em breve HBO Max de novo), e que surto delicioso. Na nova temporada, Nathan Fielder quer usar o orçamento lhe dado pela HBO para resolver um problema na aviação mundial: a comunicação entre comandante e co-piloto. Pra isso, ele precisa passar a imagem de que é um homem sério com preocupações sérias, buscando seu objetivo da maneira mais absurda possível, que é ensaiar tudo o que pode acontecer durante sua empreitada. Eu tô amando porque, primeiro, eu amo aviação, pelo menos amo ver investigações sobre desastres aéreos, mas o que me pegou mesmo foi a loucura do Nathan que chega ao ponto de se vestir como um bebê para vivenciar a infância de Chelsey Sullenberger, aquele piloto que pousou o avião no rio Hudson. Tá boa demais, só dá o play.
Tá no ar mais um vitrine com os livros legais que foram lançados nas últimas semanas. Para ter acesso, é só apoiar o Vagabunda com R$10 por mês. Vem que aqui não tem literatura meia-bomba.
Vitrine Vagabunda #3
·Enrolei para mandar o compilado de lançamentos das últimas semanas. Preguiça, né? Às vezes ela ataca com tudo.
Para seguir falando mal de Mark Zuckerberg, vem ler essa edição da Tempo de Qualidade em que a Mariana Coutinho fala desse desejo íntimo do dona da Meta de enfiar IA no cu de todo mundo: “Zuckerberg teve a pachorra de sugerir que a IA poderia resolver a nossa atual crise de saúde mental, afinal conversar com um chatbot é melhor do que “nenhum apoio emocional”. Será mesmo? É no mínimo irônico que o cara que criou ferramentas que tanto estão perturbando a nossa saúde mental agora tente vir com uma ‘solução’ tão conveniente.”
E aproveito para indicar esse outro texto dela que fala sobre o ciclo pelo qual passo o influenciador até que o seu público não o reconhece mais. Acho que esse é outro problema dessa cadeia financeira: transforma tudo numa massa disforme, em que tudo tem um viés de vida perfeita, mesmo dizendo que não vive a vida perfeita. Eu mesma deixei de acompanhar muita gente que gostava porque entraram nessa espiral de lifestyle que não entrega nada de concreto. “No fim, quando alguém cresce demais, seu nicho se desfaz e vira tudo ‘lifestyle’. E um ‘lifestyle’ patrocinado pelas mesmas empresas, do mesmo jeito, sabe? Tudo vai ficando muito igual. E muito caro. Muito fora da nossa vida de gente comum que acompanha aquilo.”
Quero lembrar aos leitores vagabundísticos que eu tenho um formulário para quem quer fazer uma pergunta, precisa de um conselho duvidoso ou apenas quer sugerir um tema. É só deixar sua questão aqui no Pergunte Para a Vagabunda:
Para encerrar, atrás de toda grande mulher tem a figura de um cachorro (e alguns gatos):
Tchau!
adorei texto, uma análise extremamente lúcida do que tem virado as "redes sociais". apesar de se focar no instagram, sinto que é fenômeno que tem se espalhado em diferentes redes; mesmo no tiktok, o que consumo não tem nenhuma curadoria humana, é tudo programado. de forma, que acabo tendo acesso a conteúdos de diferentes pessoas, mas todas falando do mesmo jeito, com as mesmas referências e leituras de mundo. tudo tão igualzinho! tenho sentido falta de descobrir coisas novas, uma leitura, um filme; é tudo sempre o mesmo, o tempo todo, e tudo satura com uma velocidade assustadora.
Não deletei meu perfil, mas já tem anos que preciso sumir do Instagram de vez em quando por isso. Até o que eu gosto começa a cansar de tanto se repetir, e quase nunca vejo nada dos meus amigos. Sempre usei a rede pra acompanhar quem conheço e alguns criadores que curto, mas o algoritmo dificulta até isso, o feed vive cheio de gente e marcas que eu nem sigo.