Sobre você
Quando ele falou que não queria mais sair comigo “como um casal", logo completou: “espero que você não escreva sobre mim". Aí eu já tava com raiva. Respondi “vou não” por educação. Mas se ele falou isso, é porque sabia que tinha falado merda. E só me cabe fazer uma coisa: escrever sobre ele.
Passei um ano saindo com esse cara que, até rolar essa conversa, eu achei que estava tudo bem. Que nosso arranjo não-monogâmico (que nunca foi nomeado) estava funcionando perfeitamente para ambas as partes. Foi a relação mais tranquila que eu tive de longe, mas nada como um homem para fazer com que você queira quebrar a cara de alguém de quem, até duas semanas atrás, você gostava.
Mas deixa eu dar um contexto: nós sempre saímos com outras pessoas, ou pegávamos outras pessoas juntos, e sempre compartilhamos isso um com o outro. Ele me falava das gurias com quem saía, eu falava dos caras. Aí eu transei com um cidadão com quem já tinha transado antes, mas foi um completo bananão comigo. Passaram-se anos, ele continua bananão, mas ficou mais gostoso. Tava com vontade de dar pra ele. Dei. E pronto, fiquei serena e tranquila depois disso.
Comentei com o homem. O homem falou, de início, que eu não podia passar vontade mesmo. Até que, no dia seguinte, quando chamei o homem pra sair, ele disse que não queria mais. Porque ficou chateado que eu dei pra outro cara sendo que a gente estava sem transar por um mês. Se a mulher tem o app de acompanhamento de ciclo menstrual, o homem deve ter um app secreto de controle de transas, só isso explica a fixação com o tempo que fica sem transar com alguém. Contabilizando a falta. Ou, como uma amiga minha muito bem definiu, controlando se você, mulher, tá batendo ponto direitinho no pau dele. Se eu não acompanho nem o meu ciclo menstrual, uma coisa que eu não faço é marcar no calendário os dias em que estou sem transar.
Veja bem: nunca fui informada de que ele estava insatisfeito com minha frequência na cama, assim como nunca fui informada de que ele não gostava que eu compartilhasse minhas experiências. Mas normal, tem gente que não é boa em comunicar mesmo, eu mesmo não era, mas tô aqui, aprendendo a ser o mais honesta possível em uma relação.
Mas voltando: um mês sem transar, depois de um ano de transas e outras experiências que, pra mim, são muito mais importantes e definidoras em uma relação (que não era namoro, que não era casamento, que não era rolo e, aparentemente, não era nada, né?). O que a gente não tinha definido automaticamente voltou para o status de “amizade", porque sim, ele falou que, já que não dei pra ele nas últimas semanas, o que a gente tinha era uma “amizade”. Então não fazia sentido a gente sair “de casal” mais.
Como um homem é capaz de derrubar toda a humanidade de uma mulher por causa do sexo, né? Ele certamente nunca vai entender o peso que uma afirmação dessa tem pra uma mulher, nunca vai entender como a gente luta para se afirmar como um ser humano digno e, ainda assim, capaz de aproveitar os prazeres da vida sem se sentir humilhada a cada interação sexual. Não preciso falar de anos e anos de opressão feminina por conta do sexo, né? De como o sexo é usado para nos diminuir perante eles, de como ainda é um jogo de poder e violência e a gente tem que estar muito esperta pra não ser tachada como puta profana porque gostamos de transar. E da noção deturpada de que um relacionamento só é válido se a mulher tá comparecendo com a frequência desejada na cama. Em como isso diminui a gente como ser humano, ser colocada como parceira válida apenas se estivermos entregando performance sexual.
Minha entrada na não-monogamia se deu justamente para me livrar desse tipo de cobrança. Para o homem ter liberdade de comer quem ele quiser independente de estar me comendo ou não. E a questão, no final, não era nem eu ter deixado de sentir desejo por ele, eu só queria me livrar da obsessão de dar pro outro cara de novo. Mas enfim, muita gente lendo aqui sequer vai entender isso e nem vou tentar explicar. O negócio é que, para querer estar com alguém, eu preciso admirar essa pessoa além do que ela entrega na cama. O sexo é só um ritual que vai durar o que, uma hora. Não é isso o mais importante.
Não sei se alguma pessoa do sexo masculino algum dia vai entender o quão degradante é, para uma mulher, deixar de ser considerada uma pessoa para se estar junto porque ela não está entregando o pacote completo do casal no intervalo de tempo desejado. Nesse um ano de relacionamento, eu não entreguei apenas meu lindo corpinho, eu entreguei meus olhos para ler o que ele escrevia, meus ouvidos para escutar o que ele falava, minha preocupação com o bem-estar dele, minha animação com as coisas que ele fazia, meus conselhos pra quando ele tava confuso, minha admiração, minha compreensão, minha esperança de, quem sabe, finalmente ter encontrado alguém que poderia me amar. Mas eu deixei de entregar sexo durante um mês. E, pra ele, isso foi a coisa mais determinante no que a gente teve. Tão determinante que falou que não queria mais.
Como vou me sentir depois do cara meter uma dessas? É degradante, pra mim. Se eu não seguir o escopo exato da função namorada, eu não vou ser digna de amor nunca. Ainda mais porque, na maior parte da minha vida, eu não estarei transando. Não é isso o que eu tenho de mais valor pra entregar pra alguém num relacionamento, e não deveria ser isso o definidor de se eu sou uma pessoa com quem alguém quer estar junto ou não. Então sim: aparentemente, sou apenas um pedaço de carne cujo valor e desejo é determinado pela frequência com que bato ponto na pica do cidadão. Provavelmente não é assim que ele enxerga o acontecido, e nem é por culpa dele, não. A cabeça do homem e da mulher, quando se trata de sexo, funciona de um jeito diferente mesmo. Ele mesmo me contava como eram frequentes os sonhos em que estava transando com alguém, enquanto nessa cabecinha aqui isso é raro de acontecer. São visões e pesos diferentes.
Mas eu queria que um dia, um diazinho só, algum homem fosse iluminado e entendesse o que eu tô querendo dizer aqui. Ou que conseguisse sentir um pouquinho do desconforto existencial que eu tô sentindo agora. Descartável. Porque em um mês eu não entreguei. Não entreguei por N motivos, mas não por falta de desejo, até porque eu queria estar junto dele, transando ou não. É uma sensação de ter sido enganada, de ter observado tudo do jeito errado, porque eu tava focada em construir algo leve, sem cobranças, sem julgamentos. Minha única preocupação era ser vista como parceira, alguém importante, alguém que a pessoa procura quando precisa e que eu posso procurar também independente da minha entrega na cama. Pelo que eu sou como ser humano completo.
Mas só o sexo importa.
Pronto, tá aqui o texto que você não queria que eu escrevesse. Mas uma coisa que eu tenho é direito de falar sobre isso. É só o que me resta.
Para ver
Tava fuçando esses dias o catálogo da Apple TV depois de terminar a terceira temporada de The Morning Show (recomendo), e caí no documentário O Túnel de Pombos, dirigido por Errol Morris, que conta sobre a vida e a carreira do escritor John le Carré. Eu adorei ver, porque além de falar da escrita, dá todo o panorama da vida real dele, sobre os anos trabalhando como espião. Achei daora.
Também navegando pela Apple TV, acabei vendo os três primeiros episódios de The Buccaneers, apenas porque queria ver looks bonitinhos. A série acompanha um grupo de jovens norte-americanas ricas indo pra Inglaterra atrás de casamento com um lorde. É bem bobinha, bem bestinha, mas achei divertido pra passar o tempo. E a trilha sonora é ótima, só isso já vale a pena. Sai episódio novo toda quarta.
Obrigada a quem leu até aqui. Espero que não estejam morrendo ou pensando em morrer devido à temperatura INFERNAL que estamos enfrentando essa semana. Eu, felizmente, tenho uma banheira para encher de gelo caso necessário. E encerro com ela:
Até a próxima, amados. <3
por muito tempo me validei através do sexo e desconstruir isso foi dificílimo. te entendo pesado, amiga
olha que não sou mulher de sentar e reclamar, mas o bagulho tá zoado. tá osso se relacionar (com homens, pelo menos)