Estava ouvindo o Rádio Novelo Apresenta da semana passada e uma das histórias me deixou pensando deveras na morte. Não que eu não pense nisso no meu dia-a-dia, é um dos temas que eu gosto de discutir. Mas a história me deixou com uma sensação de revelação sobre como eu enxergo a morte e como eu quero morrer.
No episódio “Morte e vida", o podcast apresenta Neon Cunha, que em 2016 planejou todos os detalhes do seu próprio velório: o que estaria vestindo, como seria a cerimônia, quem estaria presente. Ela não estava doente, nem queria morrer. Mas ela era uma mulher trans sem documento, ameaçada pela transfobia constante. Ela queria pelo menos ser reconhecida como a pessoa que era, mas sem passar pelo processo exigido pela justiça para comprovar que sim, era mulher, poderia existir como mulher. Como ela diz no episódio, a transexualidade não é uma patologia que ela tinha que comprovar para o governo. Ela era apenas Neon, e queria ser vista como tal.
Se a justiça não lhe concedia o direito de existir, ela pensou que pelo menos poderia lhe dar o direito de morrer com dignidade em um suicídio assistido. Pessoas trans sofrem com violências diárias: agressões sexuais, agressões pelo ódio, descaso de profissionais da saúde e da segurança. Como Neon falou, ela morreu várias vezes durante a vida. Que a morte definitiva fosse, então, assistida e tranquila, um último momento feliz.
Felizmente, Neon conseguiu o que queria. Não precisou levar adiante seu planejamento para morrer. Mas depois de ouvir essa história, fiquei matutando demais sobre o que é morrer com dignidade.
Na abertura do episódio, o narrador da história fala sobre uma pesquisa que diz que o cérebro humano bloqueia pensar na nossa própria morte como um mecanismo de defesa. Por isso, as pessoas evitam pensar no próprio fim. A morte, segundo eles, é algo que acontece com os outros, e não com a gente. É o que o cérebro quer nos convencer para que vivamos o presente. Mas como o narrador diz, isso não se aplica a pessoas LGBTQIAPN+ — e, incluo aqui, a mulheres. Populações ameaçadas pensam sim na própria morte. Pensam tanto porque estão sempre em risco.
Claro que eu não sofro violências do nível que Neon descreveu no podcast. Sou mulher, mas sou branca, cis, privilegiada. Quase não sofro com preconceitos, mas por ser mulher em um mundo onde homens ainda nos tratam como objetos, corro riscos sim. Talvez seja por isso que eu pense tanto na minha morte — além da depressão em si. Eu prefiro morrer a ser estuprada. Eu prefiro morrer a ter que me prender a um homem pela vida toda. Perto de violências que podem cometer contra mim, a morte é mais desejável.
Você já parou para pensar em como gostaria de morrer? Eu já. E acho que muita gente já respondeu essa pergunta dizendo que quer morrer dormindo, já muito velho, na sua própria casa. Ninguém quer morrer num acidente, assassinado, ou definhando para uma doença sem cura. A morte ideal é sempre em um lugar familiar, com pessoas que você ama e do jeito mais calmo e tranquilo que pode ser. Esperamos não sentir dor nesse momento, pois a vida já foi cheia de dores.
Neon Cunha fez um movimento político ao exigir sua identidade sem passar pelos trâmites abusivos argumentando que, se não conseguisse isso, deveria ter o direito de morrer com dignidade. E está aí um direito que todos nós deveríamos ter: escolher como, onde e quando morrer. Se a morte faz parte da vida, não acho um absurdo que algumas pessoas queiram definir quando a própria vida vai acabar. Como a amiga da narradora de O que você está enfrentando, de Sigrid Nunez, faz: já que uma doença está me transformando em uma pessoa frágil que não pode mais viver do jeito que eu quero, que eu pelo menos possa morrer sem dor, sem sofrimento, sem cair em depressão porque minha vida está acabando e eu estou com medo.
Por isso não entendo o tabu que ronda esse assunto quando falamos de eutanásia ou suicídio assistido. Sim, a nossa função como seres viventes é continuar vivendo, mas todos nós vamos morrer. E quando o corpo aqui não funcionar mais, quando meu cérebro começar a pifar e eu não ser mais capaz de fazer coisas básicas sozinha, quero poder tomar a decisão de “chega, acho que já deu de vida pra mim. Beijoooooos, tchau", e ir embora feliz, tranquila, satisfeita por ter dado conta da vida e ainda poder ir embora sem sofrimento.
Se quero viver com dignidade, quero morrer desse jeito também. Daqui há muitos anos, com quem eu gosto por perto e sem dor.
Vamos às dicas
Aí pesquisando coisas para esse texto, caí nessa matéria da BBC sobre pesquisas que querem observar o que acontece no nosso cérebro durante a morte. Achei curioso demais: começaram observando cérebros de ratos (sempre eles), e viram que tem uma alta carga de serotonina sendo liberada no cérebro na hora da morte, algo bem diferente do que se imaginava. Aí, se pá, essas atividades cerebrais expliquem as tais experiências de quase morte que muita gente que quase morreu relata. Doido, né? Leia mais aqui.
Chegou a hora de comentar os lançamentos do k-Pop. Começando com as rainhas malignas do Red Velvet, que fizeram sua própria versão de Midsommar no clipe de “Cosmic". Estão belíssimas, estão trevosas, e a música é viciante. Meu k-Pop raiz segue vivo e entregando.
Nayeon, do Twice, voltou com mais um solo, dessa vez ensinando o alfabeto pra gente em “ABCD". Tá sexy, tá mulher madura! Eu só amei.
E aí as nossas NewJeans voltaram e não decepcionaram — eu não gostei tanto assim dos últimos lançamentos, admito. Mas com “Right Now” mandaram muito bem. Demorou um pouquinho pra pegar em mim, mas agora que pegou não paro de ouvir.
E pra encerrar as dicas, valeu demais esperar pelo solo da Lisa, do Blackpink. O que foi isso, mulher? Que acontecimento é o clipe e a música de “Rockstar". O melhor dos últimos lançamentos, com folga.
E é isso. Espero que tenham gostado das dicas, e entendido que esse não é um texto deprê, rs. Morrer com dignidade deveria ser um direito tal qual viver com dignidade — mas né, não vivemos nesse mundo lindo em que isso é possível, infelizmente. Mas quem sabe, um dia?
Encerro com essa naninha gostosa com Fortunato numa manhã fria — que, claro, foi interrompida pela vida.
Beijos! Tchau. :)
Taize, o debate sobre o direito à eutanásia vem muito do entendimento de que a noção de vida está estritamente ligada à de dignidade. Só há vida se ela for digna. É bem próximo do debate em relação à transfusão de sangue em paciente Testemunha de Jeová (pTJ). Salvar uma pessoa que segue os dogmas dessa religião, fazendo uma transfusão sem seu consentimento (quando é possível obtê-lo) é condenar esse ser humano a uma vida sem qualquer dignidade (deixa morrer essas pestes...hahaha zueira).
adorei o texto!
um beijo.
viver com dignidade e morrer com dignidade. parece o óbvio, não fosse o brasil…