sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #149
Retorno a um passado nem tão distante, mas que bom que ficou pra trás
![Foto de um quadro de tapaeçaria que mostra um cão todo trajado de senhor, lendo um livro sentado em uma poltrona. O cachorro parece o meu cão Batista. Foto de um quadro de tapaeçaria que mostra um cão todo trajado de senhor, lendo um livro sentado em uma poltrona. O cachorro parece o meu cão Batista.](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F305f2421-469f-4b4c-af5e-83013e182d1d_1170x1169.jpeg)
Interagi na última semana mais do que eu geralmente interajo, e a culpa disso foi A Feira do Livro do Pacaembú. Essa é a tentativa paulista de fazer a sua Flip, juntando leitores, editoras, livrarias e autores renomados para discutirem suas obras e autografá-las — só que, no lugar das ruas de pedra do centro histórico de Paraty, temos o estacionamento de um estádio de futebol clássico, mas em reformas (mais São Paulo que isso, impossível).
Como freela de uma editora, estive lá durante alguns dias trabalhando vendendo livros que são maravilhosos. Essa é a parte boa. Sempre fico feliz quando convenço alguém a ler algo que eu gostei muito. Outra parte boa é encontrar gente que me lê aqui ou que me segue pelos outros recantos da internet. É bom ver que essas pessoas realmente existem e não são spams que tentarão me cooptar para um jogo do tigrinho. Aliás, obrigada a todos que me deram um oi e um abraço.
Só que essa experiência desbloqueou em mim sensações que eu sentia quando ía a trabalho para a Festa Internacional do Livro de Paraty. Não as sensações boas, como a suspensão da realidade. Por mais que eu trabalhasse que nem uma cavala naqueles 5 dias, estar numa cidade totalmente diferente tinha seu ar mágico. É como se eu estivesse vivendo outra vida dedicada apenas a não cair andando e frequentar mesa após mesa sobre literatura. Só existiam livros e nada mais. Em São Paulo não tem isso, porque estamos no meio da cidade e voltando para nossas casas — os que moram aqui, pelo menos. A sensação que me invadiu foi a de inadequação. Ao mesmo tempo em que era diferente e legal, também tinha aquela confirmação de que eu nunca faria parte de verdade daquele mundo das grandes casas editoriais brasileiras.
No último sábado da Feira rolou uma festinha para o mercado no restaurante que tem lá no Pacaembú. Não pretendia ir, pois sinto zero saudades de quando essas festas aconteciam lá na Flip: um monte de figurinhas carimbadas da literatura brasileira que sempre ocuparam esse espaço de prestígio intelectual. E a festa tinha realmente isso. As mesmas pessoas de 10 anos atrás, a mesma sensação de que a maioria daqueles que estavam ali nunca saíram de suas redomas protegidas dos Jardins e Alto de Pinheiros, e acham peculiar estar no meio de uma praça conhecida pelo futebol.
Claro que reencontrei gente legal que eu não via desde que deixei meu emprego lá em 2018 nessa editora que vocês sabem qual é. E a conversa com essas pessoas sempre gira em torno, curiosamente, dos nossos desafetos que continuam os mesmos — e que estão a três passos à nossa direita, segurando uma longneck. Mas ver alguns rostos não me causaram alegria alguma. Foi como voltar àquela época em que eu me sentia perdida por não ter tido as mesmas oportunidades e referências que eles tiveram. É, eu realmente nunca farei parte dessa patotinha, nunca “pertencerei” a esse ambiente.
O que há de diferente é que agora eu não preciso me esforçar para “pertencer” a alguma coisa. Como falei para alguns amigos nessa uma hora em que fiquei na festa, se eu ganhasse na Mega Sena, teria uma editora com todos esses amigos trabalhando nela, realizando as coisas que não conseguimos fazer como subordinados dos herdeiros do mercado, criando nosso próprio sucesso para, aí sim, deixar eles de fora. Transformá-los no passado.
Enquanto o milagre não acontece, estou feliz demais em pertencer àqueles que não pertencem. Em trabalhar nesse mercado com pessoas que também não tiveram todos os privilégios para chegar onde chegaram, e que não têm a pretensão de serem os maiores, só em serem bons. Que bom que o passado não volta de vez, só dá algumas lembranças de que aquilo existiu e eu superei uma boa parte. A parte não superada é que o mundo ainda funciona de acordo com o que eles querem, mas em breve, talvez, isso também acabe.
Pronto, hoje não tem dicas porque a news já saiu atrasada. Me dei feriado ontem mesmo depois de passar dias interagindo. Agora, descansarei mais.
Tchau!
Ah, "a fila do pertencimento"... Que bom que você saiu, mas ela continua imensa, né? No começo do ano foi quase cômica a conversa do Indie Book Day. Tipo, que porra de indie é esse em que 90% das pessoas querem estar no círculo de validação do mainstream?
falou tudo. continue a escrever , você a gente quer ler. Viva !