sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #146
Ignorar a natureza nos transformou em uma espécie burra
O perigo de se afastar da natureza
Tem um conto do Ted Chiang publicado em Expiração que me dá vontade de chorar sempre que lembro dele. Em “O Grande Silêncio", o autor parte do paradoxo de Fermi para falar sobre a existência da vida e o seu fim. Para quem não manja desse rolê, o paradoxo de Fermi é essa grande contradição que há entre a alta probabilidade de vida no Universo e a falta de vestígios de que realmente há vida fora da Terra. São muitos planetas, muitos sistemas solares, muitas galáxias, então deve haver vida em algum lugar por aí. Só não a vemos, não a ouvimos, provavelmente nunca a contataremos.
O narrador desse conto fala sobre todas as tentativas humanas de contatarem vida inteligente no vazio do espaço, como a construção do radiotelescópio de Arecibo, hoje abandonado e em ruínas, usado durante anos para enviar sinais para fora da Terra e tentar captar sinais vindo de estrelas distantes. Enviamos sondas espaciais com detalhes sobre o planeta Terra para o acaso de alguma nave interestelar topar com elas e, talvez, conseguir decifrar as mensagens nesse disco dourado que contém vídeos, músicas e conceitos científicos para dizer “hey, galera, estamos aqui, cadê vocês?". Até agora, nenhum resultado. Continuamos "sozinhos" vagando por aí.
Até que Chiang revela quem está nos contando essa história sobre todas as tentativas dos homens de encontrarem vida inteligente fora da Terra: um papagaio. Um papagaio que conta com pesar como os humanos que tanto queriam se comunicar com outra vida inteligente negligenciaram vidas inteligentes que já existiam aqui antes deles: a dos animais. E aí, meus leitores, o choro veio. Eu amo aves, adoro papagaios, amo os animais em geral. Eu adoro histórias que tentam emular como seria se eles tivessem o “dom da fala” como nós. Acontece que eles possuem esse dom, a gente é que não consegue ouvir, muito porque nós sempre nos colocamos como os grandes detentores do poder da comunicação. E, óbvio, nos colocamos no topo da pirâmide da existência na Terra. E esse, queridos, foi o nosso grande erro como espécie.
Existiu um passado em que nós aprendemos a sobreviver nesse mundo com os animais. Observando eles, sabíamos o que era bom para comer e o que não era, identificávamos quais lugares eram salubres para a nossa existência e quais não eram. Firmamos parcerias entre espécies para que, juntos, conseguíssemos enfrentar as maiores intempéries. É só olhar para os povos indígenas que preservam até hoje seu modo de vida: milhares de anos após se estabelecerem aqui, eles ainda vivem conforme as tradições do que aprenderam vivendo em harmonia com a natureza. Não é por menos que essas áreas são as maiores reservas ambientais que temos, intocadas pela nossa mão destruidora.
Mas vieram as revoluções do pensamento, o avanço científico e tecnológico que nos permitiu entender como a Terra funciona, mas, ao mesmo tempo, deu o pontapé inicial para que começássemos a sua destruição. Na época do Iluminismo, o pensamento humanista envergou para a exploração de todos os recursos possíveis: minerais, águas, plantas e animais. Tudo o que podia contribuir para esse “avanço” foi explorado, e dessas centenas de anos até 2024, temos no balanço final milhares de perdas: ecossistemas, espécies, coisas que desapareceram pelas ações das nossas “mões". Essa confiança total na nossa própria consciência nos fez acreditar que somos superiores. Que somos os donos do mundo. Que sabemos o que “é bom pra ele”. Não, nós sabemos o que é bom para nós. Ou achamos que sabemos. De uma sociedade coletora/caçadora que vivia em harmonia com a natureza, nos tornamos uma espécie egoísta, que usa tudo o que há ao nosso alcance para fazer coisas que tornam nossa vida menos “trabalhosa”. Só que tudo na natureza trabalha. Nós fomos lá e atrapalhamos todo esse processo para viver conforto absoluto — no caso, o conforto que poucos de nós conquistou com o acúmulo de dinheiro, é importante frisar.
Como Ailton Krenak, Davi Kopenawa e outras personalidades indígenas denunciam sempre, nosso fim está intrinsecamente ligado à exploração da natureza. Ignoramos o conhecimento ancestral em nome do progresso e agora estamos aqui, à mercê de catástrofes climáticas que secam nosso solo, ou encharcam ele a ponto de tudo desmoronar. Se tivéssemos dado voz a essas pessoas desde sempre, e à natureza também, colocado plantas e animais no mesmo patamar que a gente, não estaríamos vivendo o caos em que nos metemos hoje. Não digo que a gente tem que parar de comer carne, até porque os animais também matam para sobreviver — aí é outra conversa, outro tema, que não quero entrar agora. Mas se a proteção da natureza fosse um consenso gera, de todas as noções, não estaríamos agora discutindo com grandes políticos e empresários do agronegócio o quão predador são os seus modelos.
Nossa sociedade, infelizmente, só foi caminhando para mais longe da natureza. Com a maioria da população vivendo em cidades urbanas, paramos de observá-la e aprender com ela, a ponto de norte-americanos, esses seres tão avançados, não saberem que tudo bem comer uma fruta que você pegou na árvore do seu quintal. Porque sim, tem gente que não sabe de onde as frutas vêm, assim como tem gente que ignora que seu peito de frango antes pertenceu a um ser vivo.
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(Sim, essa querida achava que os limões que cresciam no quintal dela não eram comestíveis.)
Esse afastamento nos deixou burros, e com a burrice vem o perigo. Agora, em nome do avanço tecnológico, de prédios cada vez maiores, com um mundo com cada vez mais pessoas (porque mais é melhor), vamos causar a nossa própria extinção. E a grande maioria das pessoas nem se dá conta de que estamos caminhando para o inevitável fim porque, na nossa época, aprendemos que ter sucesso é ter mais. Que o sentido da vida é ser melhor e maior. É justamente por isso que nós vamos morrer e levar boa parte da vida da Terra pro escambau com a gente.
Quando penso no futuro da nossa vida, só consigo conceber dois cenários: ou voltamos a viver em contato com a natureza como nossos antepassados faziam, ou estaremos vivendo nesse mundo pós-apocalíptico em que não será mais permitido sair para a rua porque ela estará completamente insalubre. Só que não dá pra gente largar tudo, abandonar as cidades e viver como vivíamos 1000 anos atrás. Eu não consigo conceber a ideia de abandonar tudo o que conheço para salvar o meu planeta, porque sou uma cria do capitalismo que gosta de roupinhas bonitas, comida entregue pronta na minha porta e todas as outras facilidades que internalizamos no nosso DNA. E eu não quero incentivar o suicídio em massa dizendo que deixarmos de existir é a única coisa moralmente certa a se fazer para proteger a vida na Terra — embora sejamos nós as grandes pragas que habitam esse lugar.
Agora estamos aqui, vislumbrando um futuro caótico que só vai gerar mais estresse pra nossa confortável existência a ponto dela ficar extremamente desconfortável. A ansiedade humana tá só crescendo, porque amanhã a gente pode virar uma vítima dessa natureza que está tentando pegar de volta o que é seu — e com toda a razão, GO NATURE! A esperança é o que nos move, e na natureza eu tenho esperança, porque ela sempre se recupera e volta cheia de vida (como falei nessa edição sobre as extinções em massa). Só não tenho mais esperança em nós, humanos, que nos desconectamos com os seres mais inteligentes da Terra. E em mim, que não sou capaz de abrir mão desse meu conforto “burguês" para viver do jeito certo.
Vamos às dicas
Essa semana o YouTube me recomendou esse vídeo do canal Fault Line sobre os Campos Flégreos, um supervulcão na região de Nápoles que abriga a comuna de Pozzuoli, onde vivem cerca de 500 mil pessoas. Eu pensava que nessa região só tinha o famoso Vesúvio, nunca tinha ouvido falar nesse supervulcão — como é bom descobrir coisas novas, né?. Nesse vídeo, o cara explica por que tanta gente vive num lugar que pode explodir de uma hora pra outra, e como lidam com esse fato. Eu me identifiquei 100% com a senhoria que disse rindo que gostaria de entrar para a história como a primeira pessoa a ser morta pela erupção desse supervulcão, risos. Achei fascinante.
Mal comecei a ler, mas já quero deixar a recomendação de Uma história (muito) curta da vida na terra, de Henry Gee (Fósforo, trad. de Gilberto Stam). Como o subtítulo diz, o livro resume de forma bem didática e gostosa de ler os 4,6 bilhões de anos da Terra em apenas 12 capítulos. Pra quem, como eu, gosta de saber como as coisas funcionam, o que existia antes de nós e como chegamos aqui, é a melhor leitura que você vai fazer. Tô parando toda hora pra ficar pesquisando imagens de fósseis ou representações artísticas de como o mundo era antes, e é muito legal.
É isso, galera! Como podem ver, ando muito científica, e muito pessimista com o andar da nossa carruagem. Mas fazer o quê, né? O negócio é seguir escrevendo e aprendendo, e aproveitando o mundo enquanto ainda temos um. Espero não ter deprimido muito vocês, hehehe.
Ah, e importante: chegamos a 5000 inscritos no vagabunda! Então obrigada todo mundo que lê, que compartilha, e bem-vindo você que chegou aqui agora. Sou doida, mas sou limpinha, tá? <3
Para encerrar, fiquem com o Horácio deitado na Roda da Fortuna.
Tchau!
Olá Taize, bem legal esse seu texto. Estou nessa vibe também, ao ler sobre o antropoceno, Vandana Shiva e outras leituras ecológicas e ecofeministas. Realmente, estamos na merda e levaremos boa parte do planeta conosco. Foda. Uma curiosidade. Ao ler seu texto, lembrei do Popol Vuh, o livro sagrado dos maias e, na sua cosmologia, é narrado que os animais foram criados primeiramente pelos deuses e depois que vieram nós, os seres-humanos, numa mistura de barro com milho! Adoro esse livro e sempre que posso, trabalho com ele em sala de aula. E essa frase de despedida "Sou doida, mas sou limpinha, tá? <3", foi a melhor maneira de encerrar o texto, junto com a sua reflexão da senhoria que quer entrar para história como a primeira vítima do vulcão. Está certa, o que fazemos diante do caos? Rimos e bailamos!!! Muito Axé e que as deusas tenham piedade de nós!!!
essa do limão é brincadeira…