Dinheiro é felicidade
Ter dinheiro é fundamental pra gente ser feliz e saudável. Não tem outro jeito, não tem essa merda de “dinheiro não compra felicidade” numa sociedade que vive por ele. Se fosse assim, feliz eu estaria, porque eu ganho bem comparado à maioria da população deste país. Mas por incompetência minha, não faço meu dinheiro render (já é difícil fazer ele durar). E por questões econômicas, bem, nem se fala. Tá tudo caro, tá tudo impossível. Juntando esses dois fatores, sempre tem aquela semaninha em que eu fico zerada.
Eu estava matutando sobre isso porque semana passada o dinheiro estava apertado e eu só pensava em gastar o mínimo possível para não ter que tirar muito da minha reserva. Uma semana de gastos apertados até o próximo salário entrar e eu poder pagar todas as contas sem problemas. Ficar nessa nóia acabou com a minha saúde mental. Bateu desânimo, baixou a energia, entreguei tudo o que o trabalho me exigiu com esforço (porque né, é daí que vem o meu sustento), e deixei de lado qualquer coisa que não me paga, como essa própria newsletter. Aí, na sexta-feira, entrou o que chamo de “dinheiro surpresa” na minha conta, uma boladinha de um publi feito meses atrás no Ppkansada e que entrou na conta só agora (vai, vire influencer, vai ser ótimo). Meu humor mudou automaticamente.
Além de ter meios para sobreviver ao fim de semana, a maior parte foi para a conta onde guardo a grana, e ver os dígitos aumentando lá me trouxe um alívio imenso. Se faltar dinheiro nos próximos meses, vou ter como tirar um pouquinho de lá. Se acontecer alguma emergência (espero que não), essa grana tá lá para me salvar. Se no dia anterior a esse pagamento eu estava totalmente desesperançosa, com vontade de chorar, sentindo o peso da existência, depois que a grana entrou eu fiquei levíssima. Foi tipo voltar a ter perspectiva de futuro. Como deve ser boa a vida quando você não precisa se preocupar se tem dinheiro na conta, né?
Ou seja: dinheiro importa sim. E muito. Fui dar uma pesquisada sobre como a falta de dinheiro afeta nossa saúde mental, e achei essa matéria aqui da BBC sobre o livro Escassez - Uma Nova Forma de Pensar a Falta de Recursos na Vida das Pessoas e nas Organizações, do cientista comportamental Eldar Shafir, da universidade Princeton, nos EUA, e do economista Sendhil Mullainathan, de Harvard. Segundo a pesquisa dos dois, a falta de dinheiro afeta nossa tomada de decisões e prejudica a nossa inteligência. A cabeça de quem está sem grana é tão carregada de preocupações que o nosso raciocínio fica lento, não conseguimos avaliar as situações com calma, é tanto perrengue pra resolver que a mente sobrecarrega. Pifa. Não tem como avaliar as melhores opções de investimento quando você precisa escolher o que vai pagar para sobrar dinheiro para comer, que é o caso da maioria da população do Brasil.
Comparado ao resto da galera, eu tô num lugar bem mais confortável, mas essa insegurança financeira atinge todo mundo uma hora ou outra — principalmente na hora do aperto. A não ser que você seja milionário ou bilionário, o que provavelmente você que me lê não é (e se é, tá esperando o que para ser o meu mecenas?). Aqui no Brasil, mais da metade da população está endividada, com seu nome inscrito nos anais do Serasa — inclusive o meu. Citando ainda essa matéria da BBC:
Uma pesquisa recente do Serasa, no entanto, mostrou que 70% dos endividados com o cartão de crédito usaram essa forma de pagamento para comprar comida no supermercado. Ou seja, a maioria ficou com o nome sujo para garantir algo básico do dia a dia.
Em 2019 um levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) indicou que 67% dos consumidores brasileiros não conseguem guardar nada do que ganham.
Desse total, 40% justificou que a renda muito baixa não permitia a poupança.
Não tem como pensar em fazer poupança ou planos a longo prazo quando a preocupação é ter dinheiro amanhã, agora. E não tem como ficar tranquilo com dinheiro contado sempre, sem ter aquela reserva de emergência para te confortar. E não tem como fazer reserva de emergência quando você ganha bem menos do que precisaria para se manter de modo pleno, tendo acesso à educação, moradia, comida, saúde e lazer. Não dá pra relativizar a importância do dinheiro na nossa vida quando tudo o que fazemos depende dele. Para comer, para morar, para trabalhar, para se divertir, para cuidar da saúde. Até para fazer nada, porque você precisa pagar pelo lugar onde você não está fazendo nada.
Por isso fico putaça quando falam que dinheiro não importa. Deve ser muito legal viver sem se preocupar com essa questão. Quando a galera mete uma dessas, temos que lembrar que a maioria tá é na merda, mental e financeiramente. Porque uma coisa vai levar à outra. A escassez de dinheiro vai te fazer tomar decisões ruins e impulsivas porque você precisa resolver agora o problema. Vai te deixar deprimido porque, quando você elenca os problemas que precisa dar conta, percebe que praticamente tudo se resolveria com dinheiro. Principalmente a saúde mental, porque psicólogo, psiquiatra e remédio custam… dinheiro. Temos os SUS, mas ele não vai dar conta de atender metade da população brasileira que está afundada em dívidas e com a saúde mais mental do que o doidinho que acha que é Napoleão.
Dinheiro traz roupa, traz bens, traz alimento, traz desenvolvimento, traz paz de espírito quando você o tem. Traz felicidade sim, porque não dá pra ser feliz sem ele. Quer dizer, até pode dar, em um sistema político e econômico igualitário, onde tudo o que se produz pertence a todos que produzem… Mas esse esqueminha aí ninguém quer, né? Então quando um ricaço falar que “dinheiro não traz felicidade", manda ele enfiar essa frase motivacional da miséria no cu. Se não trouxe pra ele, vai trazer pra um monte de gente que tá precisando.
Para ler
Muitas dos meus pensamentos sobre trabalho giram em torno dessa questão aqui que eu nem sabia que existia, mas fiquei sabendo nessa entrevista da Jacobin com David Graeber: a ascensão dos trabalhos de merda. “Um trabalho de merda é um trabalho tão inútil, ou mesmo pernicioso, que até a pessoa que o faz acredita secretamente que ele não deveria existir. Claro, você tem que fingir – esse é o elemento de merda, que você meio que tem que fingir que existe uma razão para esse trabalho estar aqui. Mas, secretamente, você acha que se esse trabalho não existisse, ou não faria qualquer diferença ou o mundo seria na verdade um lugar um pouco melhor.” Li isso e apenas lembrei dos empregos anteriores que tive e como não enxergava sentido algum no que fazia.
Para ouvir
Fui num show no domingo passado (pois é, que jovem) da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, rockzinho gostosinho que conheci recentemente. “Segredo” tá concorrendo a Rock do Ano do Prêmio Multishow, aliás. Foi uma experiência interessante estar no meio de tantos jovens num domingo à noite, e teve um momento em que o show foi interrompido porque um cara caiu de cabeça no meio da galera. Só fiquei “não que alguém vai morrer bem agora", mas ficou tudo bem. Coisas estranhas acontecem quando a gente sai de casa, né. Ouçam que é bom.
Xepa do Engajamento
Semana que vem tem encontro do Clubize para falar sobre A entidade, de Luciana Strauss. Pra participar dos encontros, é só assinar o clube por R$10 mensais.
Semana passada teve episódio do Santa Reclamação de Cada Dia dando bronca em quem não usa camisinha em pleno século XXI.
E na Associação dos Sem Carisma eu escrevi na última sexta sobre fazer sentido continuar vivendo tranquilamente enquanto o mundo desaba.
E para encerrar, já está à venda o cartaz sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa lá na Big Surr Books. Então se você tem a aura da vagabundagem e quer ostentar isso, considere adquirir o seu (eu não ganho nada com isso, porque a frase nem é minha rs).
Ficamos por aqui então, obrigada por ler mais uma edição dessa newsletter que falha, tarda, mas uma hora chega. <3
Encerro com Fortunato mostrando todo o seu charme na minha estante.
Até!
De família simples, meu primeiro salário como concursado, isso faz dez anos, foi de três vezes a soma do salário dos meus pais. Minha maior alegria foi constatar que poderia comprar qualquer coisa no supermercado no Natal, qualquer gênero alimentício, que não teria impacto significativo no orçamento.
Dinheiro traz sim felicidade. Até certa quantidade.
Depois de certo valor - que não generalizaria com necessidade básica, mas necessidade ideal, ou seja, o considerado ideal por cada sujeito - a correlação dinheiro/felicidade deixa de ter o mesmo impacto. Carro funcional A por carro funcional B, casa confortável C por casa confortável D. O excedente vira um espécie de potencial para o supérfluo, aquisições de impulso e produtoras de breve alegria. Bem diferente de transporte público caótico para solução privada, casa infernal para um lugar de paz.
Entre os colegas analistas, nenhum que saiu para se tornar juiz/promotor/delegado e afins foi pelo acréscimo patrimonial. O motivador deles ligava-se muito mais à questão simbólica. Status e poder. Atendida a felicidade possível com o dinheiro, outro são os valores que imperam. Talvez seja nesse sentido que o rico** - que sempre foi rico - diga que dinheiro não traz felicidade.
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**aquele com suas necessidade ideais atendidas
Isso que você escreveu é muito verdade! Me lembro uma vez que tive que pagar um cartão de crédito usando outro cartão de crédito como pagamento.
Me endividei porque estava precisando comprar roupas para trabalhar, as minhas roupas estavam furando e ficando surradas. Passei uma mês horrível só pensando em formas de conseguir dinheiro pra pagar a fatura do cartão.
Vendi alguns objetos pessoais e consegui alguns freelas, o que me ajudou muito. Mas nesse período, não tinha ânimo, vontade de sair e muito menos vontade de trabalhar.
Foi péssimo.
Incrível como boa parte dos nossos problemas podem ser resolvidas com dinheiro.
-A outra parte se resolve com fé, drogas pesadas e terapia kk
Ps: Aposto que o Fortunato derrubou alguma coisa da estante