sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #115
Culto ao influencer
Estreou mais um podcast de Chico Felitti sobre uma pessoa que a gente descobre a existência e pensa: como assim? Em A Coach, nosso investigador da podosfera fala sobre a vida de Kat Torres, uma modelo brasileira que atualmente se encontra presa por tráfico humano. Ela começou como qualquer garota que sonha com o estrelato, participou de concurso de miss, angariou milhares de seguidores e fez parecer pra todo mundo que ela era uma Very Important People mesmo, até cavando um “caso” com Leonardo DiCaprio. Mas antes da prisão, ela enveredou para a “influência” espiritual. E é sobre isso aí que eu quero falar hoje.
Depois de ouvir os dois primeiros episódios de A Coach, o YouTube começou a me recomendar uma série de vídeos falando sobre influencers trambiqueiros que enganaram seguidores e empresas, e muitos tinham essa vibe de querer ensinar pras pessoas como a vida deve ser vivida. Qual suco detox é o melhor para tomar de manhã, qual rotina de exercícios vai deixar você com a barriga negativa e a bunda na nuca. Quais mantras repetir para você se convencer de que pode ter a vida daquela influencer que só viaja, vai em festas e faz compras — enquanto tenta convencer geral de que está trabalhando horrores. A quem adorar para ser aceito no seleto grupo de escolhidos que sobreviverão ao fim do mundo.
Uma delas é Brittany Dawn, uma influencer fitness que inventou de vender planos de dietas personalizados para seus seguidores, que de personalizados não tinham nada. Foram 4 anos vendendo esses cronogramas, e nesse tempo todo as pessoas reclamaram de que não receberam o que foi vendido. Depois das reclamações irem parar na TV aberta, Brittany fez o famoso vídeo chorando pedindo desculpas, dizendo que o negócio saiu do controle e ela não sabia como lidar. Quatro anos, veja bem. E quando ninguém mais caiu nas desculpinhas dela, que até hoje não devolveu o dinheiro dessa galera, ela enveredou para a religiosidade e virou uma influencer conservadora que prega pela pureza. Casou com um ex-policial afastado depois de agredir um cara negro, essa coisa bem família de bem. É bela, recatada e do lar, um exemplo de mulher cristã. Segue dando trambique, mas agora como religiosa.
Outro caso que vi neste mesmo canal, o Not That Good Girl, é o da guru Jagat, que também foi febre nas redes sociais e conquistou famosos. Entre seus “seguidores” estavam a cantora Alicia Keys, a atriz Kate Hudson e o “comediante” Russell Brand (recentemente acusado de abuso sexual contra várias mulheres, quem diria). Jagat tinha uma rede global de estúdios de yoga, era a queridinha dos tilelês norte-americanos, mas adivinha? Era uma grande trambiqueira que se achava maior e melhor do que todo mundo, acreditava que era A Guru, e não fez nem metade das coisas que disse que tinha feito.
Tem também Belle Gibson, criadora de um app de bem-estar que encantou ele, Steve Jobs. Belle dizia que teve câncer e tinha se curado com tratamentos alternativos, e espalhou tanto essa historinha por aí que até a Apple caiu no conto do vigário. Seu app vinha instalado de fábrica nos Apple Watches que foram lançados naquela época. A Penguin Random House, maior editora do mundo, publicou sua autobiografia falando sobre a grande vitória que ela teve sobre o câncer sem fazer quimeoterapia. Mas eis que veio a revelação: Belle Gibson nunca teve aquele câncer do qual ela disse ter se curado. Quando ela ia nas reuniões na Apple, ou dar suas palestras para centenas de pessoas, ou dar entrevistas para jornais e TV, ninguém nunca foi conferir a sua história. A maior editora do mundo não checou seus antecedentes e cometeu essa atrocidade.
E o que dizer das Kardashians? Lembra como todo mundo dizia que a Kim era uma grande businesswoman em um mundo feito para homens? Pois venha ver então esse vídeo aqui do canal Coffee and Cults falando de todas as tramoias dela e de sua família — incluindo uma igreja fundada por Kris Jenner, igreja para a qual suas filhas doam dinheiro dizendo que é filantropia. Ou seja: o que não falta na internet é historinha pra boi contar. E trouxas para caírem nelas.
Como uma pessoa que trabalha com influência online, cada vez mais olho com desconfiança pra esses grandes nomes da internet. Porque é muito fácil para essa galera fazer qualquer merda e dizer que inventaram a roda. Amanhã mesmo, se Felipe Neto quiser, ele pode dizer que se espiritualizou com ajuda de um guru qualquer, virar porta-voz dessa nova filosofia de vida e levar milhares de pessoas com ele para um culto obscuro a uma personalidade. Kéfera voltou pro YouYube, e se ela não der certo lá, com certeza encontrará sucesso se virar guru de alguma coisa fitness, vendendo chá com gosto de cu e gomas mastigáveis feito de sangue menstrual. Virgínia é nosso case mais promissor de influencer que vai partir pro absurdo, porque ela já surgiu no absurdo. Consigo visualizar com clareza ela metendo um discurso namastê de positividade quando o mercado de makes não der mais lucro pra ela. Tô exagerando, eu sei, mas nunca duvide da capacidade de quem tem milhões de seguidores de fazer uma idiotice dessas e ganhar muito dinheiro com isso.
Me interessam muito os cultos porque sempre me pergunto como que alguém pode se meter numa roubada dessas. A mecânica geralmente é a mesma: pessoa surge com uma nova visão, coopta gente fodida da cabeça que acredita em qualquer coisa milagrosa porque já estão todos cagados mesmo. O guru diz que, para atingir a iluminação, você precisa se desfazer de tudo da sua vida: família, amigos, trabalho, conta-poupança (essa grana vai pro culto, claro). Guru ameaça e ridiculariza membros do culto que questionam ou apontam incongruências, e quando você vê, já está enterrado na lama até o primeiro fiozinho de cabelo que nasce da testa.
E o que não falta nas redes sociais é projeto de líder de culto. Cada blogueira fitness que vende Desinchá é uma pequena seita. Cada moleque que fala de bitcoin, trade, NFT e afins também. Todos vendem uma fantasia e querem que os seguidores acreditem piamente nelas, e que comprem todos os e-books e workshops linkados nos stories. “Ah, mas tem fulano, que eu gosto super, e o famoso tal é amigo dele, deve ser bom mesmo". Volte alguns parágrafos, lembre de Alicia Keys e guru Jagat. Não importa a conta bancária e nem quantos Grammys a pessoa tem na estante de casa: o influencer e o guru enganam todo mundo, em maior ou menor grau.
Esses dias alguém levantou uma questão no Twitter da maluquice que é seguir gente que não vive a nossa realidade, e alguém respondeu que não interessa ver stories de sardinhas no ônibus porque a questão toda das redes sociais é fugir disso. Não acredito que é uma coisa ou outra, gosto de ver a realidade na internet e gosto igualmente de escapar dela. Eu me entretenho vendo esses vídeos todos que citei acima que falam de uma realidade que é paralela, que não tem nada a ver comigo ou com as minhas experiências, mas está muito perto de mim mesmo assim. Amanhã, pode ser que um amigo meu caia no papo de um guru espiritual ou de um influencer que descobriu o segredo de ganhar dinheiro fácil. Porque nossa realidade está cagadíssima, e dependendo do nível de desespero, você pode agarrar a primeira coisa que se pareça com uma bóia salva-vidas para tentar escapar, mas que, na verdade, é uma bóia de chumbo que vai te levar lá pra Fossa das Marianas da depressão.
Então sei lá: cuidado aí com quem vocês seguem, com quem endeusam, com quem sonham em interagir nas redes sociais. Desconfiem da solução milagrosa, porque milagre nenhum vai acontecer se você comer mais uma bala de goma vitamínica. Não existe milagre da manhã, nem suco detox, e você com certeza não precisa de mais um certificado inútil de participação em um retiro no interior de evolução interpessoal. Não cai na dessa galera não, nem dê audiência. Segue na sua e vai na paz.
Para ler e para ouvir
Uma maneira de não cair em golpe é ter amigos! E se você tá com dificuldade em fazer uma nova amizade, venha conferir as dicas do doutor que agora tem newsletter — e é meu amigo pessoal. Assinem, leiam, façam amigos e não sejam chatos na internet.
Como citado no início da newsletter, comecei a ouvir A Coach, do Chico Felitti, e já quero mais episódios.
E vou ficar nessa por hoje de dicas, porque realmente passei a semana vendo vídeo de trambique na internet. Todos linkados no texto acima.
Xepa do Engajamento
Só quero dizer que foi maravilhoso gravara esse episódio sobre traição com o Fabão lá no Ppkansada. Como rimos. <3
E por aqui ficamos, galera. Novamente aquele agradecimento acalorado a todo mundo que leu, comentou e compartilhou a newsletter da semana passada. Dei várias choradinhas com o feedback de vocês.
Até a próxima. :)
Você assistiu How become a cult leader na Netflix? Eu também adoro esse tema de seitas e cultos (trabalho com história das religiões) e adorei. Tá engraçado e informativo. Adorei.
Comecei a ouvir o podcast do Chico e eu não conhecia essa Kat Torres. No dia postei sobre como estamos profissionalizando o estelionato no Brasil. Curioso é que, juridicamente falando, o estelionato é um crime no qual a vítima também é, de certa forma, culpada porque espera ter vantagem em algo. Ela alimenta o sistema.
Eu penso também nos influencers da escrita. Essa galera tosca que escreve mal e fica vendendo fórmula para escrever, publicar e se tornar best seller na Amazon o que não quer dizer absolutamente nada.
No mais, cada vez mais eu restrinjo minha lista de pessoas a quem sigo nas redes. Tá impossível viver com tanta fórmula pronta por aí.
Incrível como você escreveu exatamente o que penso de coachs e influencers, quando ouço alguém me dizendo que acompanha essas coisas já fico pensando qual o golpe em que a pessoa caiu. Belo texto!