Sou uma pessoa de desejos simples. Mas não é por serem simples que eles são fáceis de se realizar. Na verdade, parecem ser os mais complicados.
Esse ano eu nem fantasiei com o que eu faria com o prêmio da Mega Sena da Virada porque sequer joguei. Sei lá, não deu vontade de tentar a sorte. 600 milhões seriam muito bem-vindos, claro, mas não quis me iludir criando cenários de como eu poderia gastar bem esse dinheiro. Sei que não rolaria. Sei que ficaria frustrada, como estou todos os dias em que vou me deitar sem ter descoberto uma herança perdida.
Meus desejos, ultimamente, estão habitando mais o campo social-comportamental do que as finanças. Por exemplo, a estafa gigante que eu sinto toda vez que pego o celular e tenho que abrir o Instagram. Eu gostaria que ele desaparecesse, seria a minha maior alegria ficar um mês sem acesso a essa rede como aconteceu com o X ano passado — e que eu definitivamente abandonei e agora fico falando minhas besteiras no BlueSky. Mas é que o Instagram não é um bom lugar para frequentar faz muito tempo. Poucas coisas lá dentro ainda me interessam. Até mesmo as contas cujo conteúdo eu adorava eu pulo e não vejo. Esses dias, tive que deixar de seguir um perfil de gatinhos fofos porque começaram a postar imagens geradas por IA, sabe? Aí não dá.
Percebo como passo rápido pelos posts sem curtir nada, porque tudo parece apenas ruído. São os mesmos layouts, os mesmos memes, as mesmas pessoas irrelevantes que fazem de tudo para aparecer na internet — como postar foto de feto abortado da esposa, por exemplo. Claro que é por lá que eu ainda fico sabendo qual amiga finalmente teve bebê, quem casou e separou, quem tá na praia e quem ficou em São Paulo no final do ano, mas assim: não tem mais apelo. Ou tem apelo demais, e por isso tudo soa tão plastificado e insosso. Bem, é isso o que acontece quando uma rede social é baseada num algoritmo que privilegia determinado formato: transforma tudo numa massaroca indistinta em que todo mundo fala e age igual, repetindo sempre as mesmas coisas porque dão audiência.
Mas não vai acabar, né? E nem pode. O grosso do meu ganha-pão ainda depende desse espaço. Trabalhamos em outras frentes, mas não temos um substituto à altura para poder abandonar de vez o Instagram e ir para outras paragens. E com a boa vontade de Mark Zuckerberg, também não podemos contar — ontem mesmo ele deu fim à ferramenta de fact-cheking do Facebook para agradar ao Trump.
Outro desejo simples, simplíssimo, é a volta do bom senso. Sabe quando as pessoas tinham vergonha de serem burras na internet? Pois é isso, sinto falta dessa época. Nos primórdios do Twitter, você levava um pescotapa cada vez que proferia uma afirmação tola em público. Quem requentava assunto discutido meses anteriores como se fosse novidade sofria o melhor dos bullyings digitais para aprender a checar informação e fazer uma pesquisa básica. Agora, performar burrice é a principal estratégia para quem vive de engajamento online. A gente nem sabe se a burrice é in natura, inocente, fruto da verdadeira ignorância, ou se ela é aditivada, pensada milimetricamente para gerar revolta — e atenção. O negócio é que cansa, cansa demais observar o cérebro da galera atrofiando até ficar do tamanho de uma ameixa seca, e eles adorando isso. Tanto potencial gasto…
Outro desejo simples: voltar a viver devagar. Não precisar fazer tudo na correria porque as pessoas querem uma resposta rápida. Não estar disponível o tempo todo, não levar certas “urgências” a sério, porque elas simplesmente não são urgentes. Ninguém precisa de uma análise de dados na véspera de um feriado, sabe? Não é necessário esse tanto de reunião para ficar encarando uns gráficos que ninguém sabe ler ou para ler o que já está escrito num documento. Para quem não tem um trabalho “essencial", cuja vida social dependa dele ser realizado corretamente e no prazo correto, dá para diminuir o ritmo. Esperar um tempo razoável para que o trabalho seja feito. Voltar a dar atenção aprofundada para as coisas, olhar pra elas direito. Isso evita problemas futuros e não deixa a gente sobrecarregado. Mas não vai rolar, porque logo ali tem uma agência urrando no seu e-mail pedindo alguma coisa urgente para, depois de entregue, ficar perdida num limbo de alguma planilha.
Eu tô nostálgica com o passado, com a velocidade que ele tinha. Com o fato de que a gente passava a maior parte do dia incomunicável com quem não estava no mesmo ambiente. Quando tinha que estar em casa para falar no telefone, e as pessoas pensavam num horário menos incômodo para te chamar. Quando as coisas fechavam meio-dia pra todo mundo almoçar, e tudo não ficava 24h disponível. Nostalgia da calma, da falta de urgência, de descobrir as coisas devagar. Falei, é um desejo simples, mas que não será concretizado.
Assim como não se concretizará o fim da Inteligência Artificial, ou dos bilionários, ou do povo dodói anti-governo que reza para pneu. Não tem mais como escapar ou resolver esses problemas que estão no cerne do caos. A gente já se acostumou a tratar doido como se fosse gente digna de atenção. Infelizmente, o rico vai seguir sendo rico, não tem o que fazer — ter tem, mas faremos? Acho que não.
Mas tem um desejo simples que eu posso conseguir conquistar: ver pessoas. Eu tenho essa vontade de ficar sempre em casa e me enfurnar em mim mesma, e sei como isso me deixa com a sensação de ser uma coitada depois. 2025 é pra ser um ano sem coitadismo, então pretendo sair mais, ver gente, estar com meus amigos, nem que seja por uma horinha apenas.
O negócio é que a internet não basta e não pode bastar, a gente precisa estar presente fisicamente — não no trabalho, mas na vida, home office é tudo e ninguém vai me tirar isso. Nesse primeiro fim de semana de janeiro já coloquei em prática essa nova Taize mais social, e espero que eu me mantenha assim, longe da coitadolândia, olhando mais pro mundo de fora do que pro mundo de dentro, que é a minha cabeça desorganizada.
Enfim, ficam aqui os meus votos singelos para 2025. Que seja um bom ano pra gente.
Dicas e tal
Aproveitei que a Apple TV estava liberada no fim de semana para assistir algumas coisinhas. A primeira foi uma série documental, O Poltergeist de Enfield, que usa as gravações originais feitas na casa onde aconteceram coisas paranormais com atores encenando. Eu curto demais essas histórias de assombração, por mais que eu fique encontrando explicação lógica para tudo. Mas achei super bem feita, e deixa sim um mistério no ar. Entrevista também as pessoas que viveram naquela casa e relembram o que aconteceu anos depois, sem terem encontrado uma explicação clara para o fenômeno.
A outra série foi Entre Estranhos, com a Amanda Seyfried e o Tom Holland, sobre um cara esquisitão que é preso depois de um tiroteio em Nova York sendo interrogado por uma psicóloga para entender o que aconteceu, e saber se ele é inocente ou não. Eu tô gostando bastante porque ela te deixa com muitas dúvidas sobre em quem acreditar. Não te entrega tudo logo de cara, aos poucos você descobre que a coisa é muito mais tensa e elaborada do que o imaginado. E nosso Zendayo está arrasando. Terminei ontem em prantos.
E aproveitar para lembrar que o último podcast do Vagabunda de 2024 está liberado para todos os assinantes da newsletter e falei sobre o que nos abateu no último ano. Quem quiser seguir ouvindo minhas besteiras, é só assinar a news por R$10 por mês.
E assim encerra-se a primeira newsletter do ano. Eu não sei se descansei o bastante, provavelmente não, mas também vou aproveitar o marasmo de janeiro para fazer as coisas devagar e com calma.
Agora fiquem com a barriga gostosa do Horácio:
Tchau!
Nossa, tbm preciso muito de mais encontros físicos nesse 2025! Saí do instagram em 2022 e desde então sinto que vejo muito menos as pessoas na vida real pelo fato de não estar acompanhando o que elas postam por lá (comentários em stories sempre podiam render um encontro presencial). E tenho me sentido muito carente de amigos nos últimos meses, mas sempre que penso em voltar pra rede, me dá uma preguiça. E na realidade acho que a falta de encontros não tem tanto a ver com a falta do instagram, como já cantava Cazuza, "a solidão é pretensão de quem fica escondido fazendo fita" (nem sempre, mas às vezes sim). Preciso simplesmente passar a mão no telefone e tomar a atitude de convidar as pessoas de quem sinto falta e marcar o que quer que seja. Que 2025 seja um ano de bons encontros pra nós <3
Isso mesmo, Taize! Estou nessa do vida devagar desde 2023 e foi muito bom para mim. Estou a beira de sair do instagram e não vai fazer nenhuma falta. Ainda mais com a aliança Trump-Zucker liberando o trash geral. Abraço e boa sorte para a gente simples.