sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #135
O medo que o livro dá
Ok, vamos falar de livros censurados.
Essa foi uma questão requisitada pela audiência após os últimos acontecimentos do mercado literário que deixaram a galera revoltada e assustada. Porque, convenhamos, em pleno 2024 e o povo ainda fica chocado ao ler uma descrição leve de sexo numa história? Ah fica, fica muito. Mas não quero falar sobre a censura de livros em si. Eu quero falar é do conservadorismo que assola essa galera que tem medo de literatura.
O brasileiro de direita conservador tem tara em importar tudo o que vem dos Estragos Unidos, e tem tanta obra censurada nas escolas de lá que isso virou meio que uma categoria literária. RuPaul fez uma biblioteca itinerante pra distribuir obras consideradas “inadequadas” para as escolas, até. Livrarias e editoras usam esses casos de censura para venderem livros censurados. O que eu acho legal, porque é uma forma de revidar a burrice alheia: “esse livro é tão bom que deixou o seu tio calvo e brocha todo vermelho de vergonha, leia já!".
A galera conservadora de direita tem ojeriza da arte. Se o negócio não cheira a Cif Limão, limpinho e correto, esse povo grita de desespero. E o “correto” aqui é um troço bem subjetivo, porque se formos falar de coisas polêmicas, não deveríamos indicar a leitura da Bíblia para as nossas “crianças”— o tanto de sexo e incesto que tem naquilo, meu pai… E a gente sabe o que eles consideram “correto”, né? É a mulher boazinha e comportada, o pobre no seu lugar, o negro morto e o homem branco como grande herói. Qualquer coisa que foge disso é subversiva e ameaça o status quo social, e por isso deve ser banido e jogado na fogueira. O conservador não se choca com uma cena de sexo quando ele é hétero e dentro do casamento — e feito com descrições no nível “o membro rijo".
Já falar de racismo é malvisto, pauta da agenda de esquerda que quer alienar a população. A palavra “gênero” causa urticária assim que ouvida. Sexo é a prática mais nojenta que existe, porque é só ver um “pau” ou “buceta” num livro que a pessoa entra em combustão espontânea. Pegue tudo o que há de bom na vida, coloque na frente de um conservador e observe toda a graça se esvair.
Essa gente nunca parou pra ler um livro na vida e nem se interessa a fazer isso. Ler significa conhecer, e conhecimento não é o forte deles. Conhecimento dá medo, porque vai que a filha adolescente aprende através de um livro que a vida dela não precisa se resumir a arranjar um marido e ter filhos. Vai que ela aprende que a própria família é formada majoritariamente por gente escrota e resolva se afastar. Vai que ela aprende a pensar por conta própria. Perigosíssimo isso.
Toda vez que surge uma polêmica dessas com professores idiotizados e governantes inúteis se voltando contra uma simples obra literária, só consigo pensar em como a educação é a coisa mais fundamental na formação de um ser humano. Quem vem com esse papo torto está totalmente desconectado da realidade e da vida humana, e não tem nada a agregar pra sociedade. A pessoa não é capaz de interpretar texto, de parar, sentar e ler, e se permite apenas papagaiar frases feitas sobre estarem “desvirtuando a juventude", enquanto tá nem aí pra juventude que morre de fome ou de violência.
E, pra nossa tristeza, é esse o tipo de gente que está nas escolas, nos conselhos tutelares, nos hospitais, enfim, em todas as esferas públicas, atuando arduamente para estabelecer o plano de país iletrado que Bolsonaro tentou implantar. Ele saiu, mas os conservadores de direita estão aí perpetuando suas ideias de um Brasil burro. O avesso da pele não foi o primeiro livro censurado, nem vai ser o último, porque o conservadorismo está incrustado no Brasil. Pode apostar que, em breve, um novo autor negro, indígena ou LGBTQIAP+ vai vivenciar o que aconteceu com Jeferson Tenório, é só uma questão de tempo e de saber se o caso chegará na mídia com a mesma força. Mas vai acontecer de novo.
O que fazer quanto a isso? Ora, ler e divulgar o maior número de obras literárias “subversivas” possíveis. E, se você tem a coragem e uma boa assessoria jurídica, dar uma rasteira num conservador sempre que tiver a oportunidade.
Olha a dica
Achei legal essa matéria da New Yorker sobre fotografia de Ovnis, comentando as imagens mais famosas já feitas dos tais "discos voadores”, e como é difícil ter uma evidência real sobre isso.
Saiu na Quatro Cinco Um desse mês um ensaio da Zadie Smith traduzido pelo Bruno Cobalchini Mattos chamado “A queda do meu eu adolescente". Gostei demais, e me lembrou de como eu fui uma adolescente chata também.
Assinei recentemente a newsletter do Suza e nessa edição tem uma belíssima defesa do K-Pop. Apenas escutem (e leiam).
Falando em K-pop, desde a semana passada estou ouvindo non-stop as músicas mais recentes do Jung Kook, do BTS (pois é, cheguei nessa fase). Ô sonzinho mais gostoso. E parabéns pro jovem, tá bonito, dança com tudo, canta bem. A minha favorita vem sendo essa:
É isso, meu povo. Xingue seu conservador local, e se você quiser ouvir minha voz falando coisas aleatórias, considere apoiar a newsletter com R$ 10 por mês pra ter acesso ao podcast exclusivo do Vagabunda. Acabei gravando um extra que vai sair ainda essa semana, só falta editar. :)
E pra encerrar, um Fortunato manhoso.
Tchau!
Olha, Taize, eu tenho um ódio dessa gente tonta. O mais inacreditável é que são pessoas que tiveram acesso a educação e escolheram ser estúpidos.
Quando eu li o Avesso da Pele, tive vontade de dar um exemplar para cada aluno meu. Eles são majoritariamente negros e tenho certeza que essa leitura poderia mudar a percepção de mundo deles.
Então essa história me deu ódio, sabe. É um projeto de poder que visa afastar qualquer possibilidade de pensamento crítico na juventude. Apesar de ser uma formiga, sigo como professora fazendo o meu papel de instigar uma reflexão profunda, mesmo com ZERO recursos.
Nossa, essas últimas semanas têm sido difíceis pra quem gosta de ler e exercitar o censo crítico. Sou professora, e pra completar, aquele bosta do Nikolas Ferreira foi eleito como presidente da COMISSÃO DE EDUCAÇÃO! Um ignorante que nunca leu um livro na vida liderando algo tão importante. É de dar nojo...