sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #172
A vida sem Instagram e o que um currículo significa
Desinstagramada
Por Taize Odelli
Então eu saí do Instagram, né? Baixei todas as fotos e vídeos que postei lá desde 2012. Deletei a conta. Estou há duas semanas sem participar ativamente da plataforma, já que o trabalho exige que eu ainda fique olhando as coisas por lá — e a memória mecânica faz meu dedo ir automaticamente para o ícone do app e abrir ele o tempo todo, até lembrar que estou logada num dos perfis de trabalho, e não no meu.
Quando postei aqui no notes que eu fiz esse movimento de abandonar todas as redes sociais de Mark Zuckerberg (o Facebook já não era usado desde 2019, mas a conta ainda existia, o Threads também foi pro lixo), muita gente disse que fez ou gostaria de fazer o mesmo. Uma leitora até deixou um relato sobre como deixar o Instagram vem melhorando a saúde mental dela, fazendo ela ficar mais focada na vida real do que sentada no sofá rolando o feed por horas — eu ainda faço isso, mas com o feed do Bluesky, então não posso me considerar “curada” das redes sociais.
Mas esse afastamento da lógica do Instagram me mostrou como eu vivia realmente uma vida paralela lá dentro. Por mais que eu não postasse todos os pormenores da minha vida, eu era bem frequente nas fotos e vídeos de bichos, nos stories reclamando sobre algum assunto, e agora fica claro pra mim como eu substituía o contado direto com as pessoas pelo contato indireto, falando uma vez só para milhares de usuários ao invés de ir contar alguma coisa para um amigo específico.
Curiosamente, não sinto falta de ficar observando o dia dos outros através dos stories. O conteúdo do Instagram já estava me inspirando pouco interesse. Culpa do algoritmo, claro, que privilegia o mais do mesmo. A repetição constante daquilo que “performa” bem até que o conteúdo perca o seu sentido, fica sem a característica da curiosidade para te fazer continuar vendo. Então não está fazendo falta ver os vídeos, as atualizações, as coberturas em tempo real dos eventos sociais que a galera frequenta. Porém, sinto falta de compartilhar as pequenas cenas que eu acho que todo mundo gostaria de ver — geralmente, imagens dos bichos sendo fofos.



Quando surgiu o ímpeto de falar para uma câmera sobre algo que acabou de me acontecer, gravei e mandei para o grupo de amigos. E aí vi como deveria ser assim sempre. Como eu acabei substituindo esse contato mais direto pela atualização do feed para anunciar qualquer novidade, sabendo que os meus amigos iriam ver e, por isso, eu não precisava contatar eles diretamente. No fundo, as redes sociais nos transformam mesmo em pessoas solitárias, né? Eu sempre fui mais sozinha, a filha única que gosta de inventar brincadeiras por conta própria, e usei muito da internet nos tempos de chats e fóruns para cultivar amizades que, hoje, são presenciais. Mas o Instagram estava me levando para o lado da solidão outra vez.
Eu usava muito o Instagram como o meu álbum de fotos, minha memória, vez ou outra percorria meu feed para lembrar de momentos passados. E usava demais os stories como esse meio de comunicação com os amigos que, no final, nem chegava mais a eles. Foram quase 13 anos de vida registrada lá, que a partir de 2020 virou um espaço mais público do que privado conforme os seguidores foram aumentando. Agora, estou reaprendendo a viver sem pensar “isso daria um stories legal". Tendo que suprimir o ímpeto de querer “aparecer na internet” para receber alguns biscoitos — sinto falta de biscoitar, afinal, leonina, né? Voltar a ser uma pessoa low profile, que está na internet falando umas coisas bestas, mas sem maiores detalhes sobre a minha vida íntima (se bem que falo muito sobre minha intimidade aqui também, mas é aquelas: uma intimidade mascarada de reflexão, não abrindo tudo o que eu faço aqui como se fosse um diário).
Tô gostando dessa mudança de rumo? Dessa coisa de largar uma plataforma nociva para focar em outros espaços da internet? Não vou mentir: estou gostando sim. Mas não significa que eu esteja sendo super coerente com essa escolha, já que estou aqui no Substack, que também é chefiada por um cara dodói que acredita no conceito torto da “liberdade de expressão” que os estadunidenses tanto gostam de papagaiar (aliás, aceito dicas de alternativas). Mas está sendo bom demais abrir mão da lógica do Instagram tantos anos depois, ver que ele não é a única opção de comunicação entre as pessoas.
Não vou dizer “estou lendo mais” como se eu não passasse um tempo considerável do meu dia jogando Screw Away no celular, mas estou falando mais diretamente com meus amigos, estou lendo mais newsletters aqui, estou abrindo links que compartilham no Bluesky, estou usando a internet de um jeito mais “raiz", como eu fazia antes das redes sociais de mídias tomarem a internet. E por causa disso, digo que deixar o Instagram me fez mais bem do que deixou saudades. Dá pra viver sem ele tranquilamente.
Currículo Fatale
Por Claudio Thorne
Ter uma postura inclinada e frágil é saber lidar com o desconforto quase imperceptível de estar acabando com as próprias costas. Porém, antes de ter aquele sopro de consciência que me faz esticar a nuca para o seu lugar de origem, me deparei com algo mais incômodo à vista: o currículo na tela do computador.
O currículo é como uma etiqueta de loja de departamento que indica o valor de uma peça de acordo com o tempo de produção, mão de obra e qualidade do produto. No meu caso, essa etiqueta anda precisando de uma caprichada para elevar o preço. Ressalto que existe muita qualidade, tá? Mas eu quero ter aquele tempero extra porque, no mundo de hoje, a gente precisa ter bastante tempero. Só que o interessante não é refletir sobre o sabor do tempero, de fato, mas sim se deparar com a ideia de que eu estou saindo de casa mesmo já tendo saído.
Mesmo morando sozinho, já trabalhando e com o pé bem próximo da tão sonhada independência, a ideia da realidade estar próxima do sonho é assustadora. A partir desse pedaço de papel com design porco do Canva, eu estou próximo de não precisar da notificação do banco informando uma transferência do meu pai. A realidade alcançar o sonho não é ruim, quer dizer que cheguei à independência. Ser independente é ser adulto, ser adulto é ser crescido, ser crescido, adulto e independente é não precisar dos pais. Não precisar dos pais é assustador.
Por mais que sempre se precise de alguma forma, a condição de precisar é um resquício, um cheirinho da idealização da casa, da segurança, do conforto e do carinho.
Quem diria que um currículo e uma transferência bancária poderiam carregar tanto.
Para ouvir, ver e ler
Sou obrigada a voltar com mais uma indicação de Kpop, porque a senhorita Lisa lançou uma canção nova em parceria com Raye e Doja Cat. É “Born again", que tem muito o espírito da LOBA. Eu amei tudo: a melodia, o clipe, os looks dela, Doja de freira e depois de dançarina de pole dance. 10/10.
E ainda relacionado à Lisa, tem esse vídeo de um editor querido que analisa os clipes de Kpop e eu adoro a animação dele enquanto reage. Fora que eu acabo aprendendo umas coisas muito legais sobre edição (já que boa parte do meu trabalho envolve editar vídeo de publicidade, rs).
Ontem eu tava assistindo a um canal de astrologia que fez umas previsões bem apocalípticas para essa semana e os próximos meses, e eu achei interessante que o cara já chegou falando que não tem essa de reclamar que ele só dá notícia ruim, porque a vida não é um morango e a coisa tá ruim mesmo. E aí chegou essa edição da Jairme falando justamente isso: só vai piorar.
A Ana Lima Cecilio tá com uma newsletter muito legal só de indicações de livros, e essa semana só meteu livro de gente filha da puta, que é meu tipo de livro favorito. Aproveitem, que é só dicaça atrás de dicaça.
Esse ensaio da Isadora Sinay sobre ser uma mulher que QUER tocou fundo aqui no peito.
Até sentar e escrever a edição de hoje, eu tava com zero inspiração para fazer texto. É engraçado como a cabeça fica produtiva por duas semanas e, depois, já pede arrego. Mas sempre sai alguma coisa, nem que seja algo besta. Faz parte da coisa.
E já aproveito para comentar brevemente o texto de Claudio, que pra mim é o único Gen Z possível: dá medo sim adultar, mas é bom demais. <3
Fiquem com uma imagem do Horácio em toda a sua gostosura e extensão tentando capturar uma nesga de brisa nesse calor infernal (40 graus em Indaial, segundo o relatório meteorológico da minha mãe, ou seja, Horácio: poderia ser pior.):
Tchau!
Recomendo saber a jornada do Rodrigo VK na nova newsletter dele (fora do Substack). Tem uma curva de aprendizado, mas é interessante. Ele tem vivido de verdade essa coisa de sair das redes (até de mudar de carreira, mas calma lá meu camarada). Recomendo: https://rodrigovk.com.br/2025/02/10/como-consumir-conteudo-em-2025/
Senti tua falta comentando F1 e fui te procurar em tudo. Ainda bem que te achei aqui ❤️ Tenho pensado muito nesse movimento de sair do instagram. Me fez refletir muito sobre.