sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #105
Olá, vagabunders!
Essa newsletter era pra ter saído na semana passada, mas eu esqueci de fazer. Tava tão enlouquecida para deixar tudo pronto antes de vir pra Santa Catarina que nem passou pela minha cabeça que eu tinha que fazer. Mas já que estou aqui em Indaial na maior calmaria, agora vai.
Hoje vou falar sobre amor. E tem as tradicionais dicas de coisas para ler, ver e ouvir.
O amor é uma prisão
No curso da vida humana, o amor é o nosso maior objetivo. Já nascemos, teoricamente, sendo amados pelos nossos pais. Mas não é esse amor, apenas, o que nós queremos. Nos filmes, séries, na literatura, nas músicas, o amor que perseguimos é o amor romântico. A junção das almas, aquela coisa de encontrar alguém, se apaixonar e, juntos, construírem algo maior. É esse o amor que todo mundo quer, certo? É esse o amor, também, que nos aprisiona.
Pode ser muito coisa de pessoa amargurada, e acredito que quem tá aí vivendo um relacionamento nos moldes conhecidos deva achar que quem fala “contra” o amor é apenas uma pessoa, aaah, mal-amada. Primeiro, não vou falar “mal” do amor. Vou falar é de como o amor romântico que nos é vendido como esse “grande objetivo de vida” pode ser uma coisa falha e opressora — e geralmente é, principalmente para as mulheres.
Faz algum tempo que venho matutando sobre esse assunto, desde que eu comecei a mudar minhas próprias percepções sobre relacionamentos e seus sentimentos. Tirando o amor pelos meus pais e meus bichos, os amores mais significativos da minha vida vieram dos meus amigos que estão há anos convivendo comigo. Nunca veio de um namorado, de um peguete, de um flertezinho que não se concretizou. Na perseguição do amor romântico, eu, na verdade, nunca o encontrei. Só me ferrei. E as pessoas insistem que é esse o amor que importa, além do amor pelos filhos (que eu também não tenho vontade de encontrar).
Seria eu uma decepção para o mundo por não ser capaz de fazer tudo por um “amor"? Por não ter vontade de me sacrificar para estar com alguém? Se eu perguntar para alguma dessas pessoas que vivem de falar sobre como seus relacionamentos são perfeitos, a conclusão seria “sim, você não tem um amor romântico porque você não se dedica a ele". Eu concordo muito quando a Isabela Reis, minha colega de Ppkansada, fala que o amor é uma decisão que você toma diariamente. De acolher o outro, de ajustar as expectativas, de enfrentar os problemas… Porque estar junto de alguém dá muito trabalho. Ela está corretíssima, mas a Bela é, também, uma pessoa iluminada que não aceita qualquer coisa por amor. O que não acontece com a maioria das pessoas. É só abrir a internet e ver a enxurrada de chorume que postam sobre como deve ser um relacionamento amoroso.
O que mais observo é como as pessoas se deixam pisar em nome do amor romântico. E é esse o ponto principal desse texto. Desde quando é aceitável que as pessoas se anulem em nome desse amor? Desde quando se sujeitar a todos os tipos de inseguranças e violências é uma “prova de amor"? Desde quando prender alguém a uma configuração de relacionamento é o melhor jeito de amar? Desde quando perdoar todo o tipo de violência que venha do parceiro, parceira ou parceire é se dedicar ao amor?
Ora, ora, desde que o mundo é mundo — pelo menos do jeito que o conhecemos. Eu não canso de citar Silvia Federici quando ela diz que toda a configuração familiar do jeito que se coloca hoje foi feita para servir ao capitalismo, ao lucro. Essa coisa de que as mulheres precisam encontrar um homem, casar, gerar vida, cuidar dessa vida, da casa e da relação, porque todo o peso de manter um relacionamento recai em cima da mulher. Se o casamento não está bom, a culpa é da mulher. Se o filho fez algo errado, a culpa é da mulher que não o criou direito. Se o marido a trai, a culpa é da mulher por não ter dado a ele o que ele precisa. Enfim, deu pra entender, né? No amor, a mulher nunca é vitoriosa. Ela é uma prisioneira.
“Para a mulher, o amor tem sido historicamente uma questão de posse seguida de sacrifício: isto é, de ser possuída e depois de ser sacrificada. E isso ainda acontece, em todo mundo. Mais disfarçado, mais ‘recompensado', mas sempre lá".
Quem diz isso é a personagem Elizabeth Finch no romance que leva o seu nome, escrito por Julian Barnes. É o livro que estou lendo agora, e essa frase não poderia vir em hora melhor, pois ela representa tudo o que venho pensando sobre o amor. Por isso eu rejeito tanto, hoje, todo esse discurso de que o amor romântico é o que nós precisamos para nos sentir seres humanos completos. Eu não aguento mais ver um tanto de gente que se sacrifica por amor, que acredita que o amor é um sacrifício que, no fim, trará recompensas. Não consigo parar de pensar no tanto que as pessoas se enganam achando que o amor romântico resolverá todos os problemas da sua vida, porque terão uma companhia, alguém para passar pelos perrengues juntos, alguém para construir essa vida idealizada que a gente aprende, desde criança, que é assim que tem que ser.
Em nome desse amor, as pessoas — principalmente as mulheres, mas sem ignorar que os homens também passam por isso — aceitam todo tipo de violência. Aceitam o ciúme, o controle, as discussões por motivos idiotas. Aceitam se afastar dos amigos, dos familiares, de suas ambições, porque elas não combinam com o que o seu cônjuge quer para a vida a dois. Aceitam todos os pedidos do objeto do amor porque, caso você o contrarie, ele irá te deixar. E não existe algo mais amedrontador do que a solidão, do que ser uma pessoa solteira em um mundo de casados.
E essa noção de que a vida só vale a pena se for vivida a dois foi tão empurrada pela nossa goela que, até hoje, em pleno século XXI, o que mais se vê é gente correndo atrás de homem ou mulher por medo de ficar sozinho. A pessoa está lá, rodeada de amigos e gente legal, mas insatisfeita porque não tem aquela pessoa para chamar de “sua” — porque o amor é possessivo. E não tô falando de monogamia, porque nas relações NM não faltam, também, opressões em nome do amor. É uma noção que está enraizada dentro de todas as configurações de relacionamentos.
Aí não tem como não se frustrar tanto na busca desse amor quanto na concretização dele, porque já partimos de uma concepção cheia de falhas. E é difícil se desfazer dessa ideia, porque é isso o que aprendemos desde a mais tenra idade. Eu achava que era isso o que me faria feliz na vida. No meu primeiro namoro, eu tinha essa ideia de que ficaria com ele pra sempre, porque o amor mais puro é assim, o encontro das almas que depois nunca mais se separam. E se eu fosse perseguir esse ideal, eu não estaria onde estou hoje, porque eu teria que anular a minha ambição para ficar ao lado desse namorado que, na época, ainda era um grande filhinho de papai que sequer pensava em sair da casa da família e criar uma vida própria. Quando percebi isso, que ele não me acompanharia nas minhas ambições, e eu não aguentaria ficar estagnada naquele lugar com ele — porque eu já tinha vontade de cair fora daquela cidade —, eu negligenciei toda a relação até ela acabar.
Isso quer dizer que sou contra tudo o que envolva o amor romântico? Claro que não. Há muitos casais que conheço que tentam quebrar essas correntes opressoras do amor, e conseguem. Pessoas que, vendo de fora, parecem ter uma relação saudável, e talvez tenham mesmo, porque escolheram amar de uma forma diferente, sem deixar de lado as vontades individuais e as outras pessoas que orbitam suas vidas. Se eu for encontrar esse amor um dia, é assim que eu quero. Livre, seja monogâmico ou não — sei que os NM vão dizer que não há liberdade na monogamia, mas calma lá, cada um cada um, né? Eu jamais serei monogâmica de novo, mas aí sou eu…
Enfim, o que quero dizer é que se você só se frusta na busca do amor, é bem provável que essa frustração venha dessa noção de que o amor deve ser uma coisa fechada dentro do núcleo casal, que deve ser forçado até gerar o sentimento de que você não viveria sem essa pessoa. Quantas gurias existem por aí, lindas e esclarecidas, que ainda vivem de caçar namorado, se metendo nas situações mais esdrúxulas porque têm a esperança de que “agora vai". E nunca vai. O amor do jeito que a gente sonha não vai surgir do nada, como se diz nos contos de fadas. E esse amor também não vai durar pra sempre, coisa que a gente ainda pensa que vai acontecer, porque todas as obras artísticas que tratam sobre o amor, aquelas que a gente vê diariamente, mostram casais passando por inúmeros perrengues até chegarem ao amor mais puro no fim, como se a história acabasse ali e todos fossem felizes para sempre. Como se, se essa história tivesse outros capítulos, não veríamos o colapso do relacionamento e todas as suas amarguras.
Ainda estamos presos a esse conceito de amor romântico que foi criado para que nos contentássemos com qualquer coisa em nome dele. Não é essa a vida que quero viver, e não é essa a busca que quero empreender.
Para ler
Para começar, divertidíssimo demais o texto do João Luis Jr na Conforme Solicitado sobre os finais alternativos de Succession. Qualquer um desses também me deixaria muito feliz.
Achei muito interessante esse texto na MargeM Newsletter sobre amizades em tempos de redes sociais, em que confundimos seguidores com amigos ou, também, os seguidores se sentem nossos amigos. Eu sou aquela que procura responder todo mundo, pois né, rede social é uma via de mão dupla. Mas não tem como considerar todas essas pessoas minhas “amigas", porque né, é gente demais. Vale a leitura.
Outro texto legal é esse aqui do Jornal Relevo sobre esse boom dos sites de apostas e como essa loteria está aí nos assombrando desde os tempos mais primórdios. E também sobre o que faz uma pessoa arriscar tudo, carreira e reputação, entrando nessas maracutaias.
E já que falamos de casa de apostas…
Outras dicas
Das pessoas que eu mais adoro na internet atualmente estão Alana Azevedo, e se você ainda não ouviu o podcast Helena, o podcast tá pronto, que ela faz com sua prima Raíla, vem ouvir aqui.
Na editoria K-Pop, quero lhes apresentar o Purple Kiss, que tem uma vibe mais dark nas músicas e eu ando ouvindo essa incessantemente.
Xepa do engajamento
No Clubize de junho vamos ler O inconsciente corporativo e outros contos, do Vinícius Portella, que já indiquei aqui na news. E aproveita que tem desconto para comprar lá no site da DBA para todo o catálogo deles usando o cupom Clubize30. Para participar do encontro e do grupo do Clubize no Telegram, é só assinar por R$ 10.
Pra quem não sabe, eu tenho um OnlyFans. Então quem quiser assinar para ver fotinhos sensuais (nunca explícitas, tá?), é só vir aqui. ;)
Tivemos um episódio muito legal no Ppkansada sobre autoestima sexual com Luísa Camargo e a fisioterapeuta especialista em assoalho pélvico Laura Della Negra. Ouve aí!
É isso aí, até a próxima!