Liguei a TV um dia desses para ver a reprise de Tieta na programação da tarde da Globo. Óbvio que tenho zero memórias dessa novela, já que eu tinha só 1 aninho de vida quando ela foi ao ar. Só sabia da importância dela para a teledramaturgia e nada mais. Nesse dia, tinha uma cena em que Elisa, interpretada por Tássia Camargo, estava toda com fogo no rabo querendo ser amada por seu marido, Timóteo (Paulo Betti), mas ficou a ver navios depois das recusas do esposo, dizendo que estava “muito cansado".
Acontece que Elisa sabia o motivo desse cansaço, e seu desejo era muito simples: ela só queria que Timóteo transasse com ela do mesmo jeito que ele transava com as moças da Casa da Luz Vermelha que sempre frequentou. Mas para o personagem de Paulo Betti, isso era impossível, já que ele deve “respeitar” a sua esposa, essa união consagrada pela benção de Deus.
Nos olhos da Taize de 2025 que vive sua liberdade sexual, esse problema tem fácil resolução: é só abandonar a culpa cristã que tá tudo certo. Não é degradante você comer a sua esposa de quatro, assim como não é pecado uma mulher de família ser muito bem fodida pelo seu marido gostoso (Paulo Betti, meu querido, você tava um pitéu, hein?). Se sua esposa já se contentou com o fato de que você vai continuar frequentando o puteiro após o casamento, que você pelo menos proporcione uma boa foda para ela ao invés de deixá-la queimando de tesão.
Sei lá se em algum momento da novela eles atingem essa iluminação, mas fiquei pensando desde então naquela ideia retrógrada de que existe mulher para casar e existe mulher para comer, e as duas não habitam o mesmo corpo. Como cria dos anos 1990, eu cresci com esse discurso, e na adolescência eu agia conforme a moral mandava, fazendo de tudo para não ser uma menina “falada", promíscua, por mais que me masturbasse desde os 10 anos de idade. Como moça de família, eu tinha que manter essa imagem de inacessível, pura, menina de respeito, quando na verdade eu já queria estar beijando algumas bocas por aí.
Arranjei um namorado, tive minha primeira vez com ele, me mantive fiel até o último momento tentando me encaixar no que a sociedade determina para uma mulher. Até chutar o pau da barraca e dizer “quer saber? Eu não ganho nada com isso", e sair dando por aí. Conforme conheci novos caras e fui vivendo outras experiências, deixei cada vez mais pra trás essa ideia de que eu deveria ser uma "mulher para casar". Com a pandemia, a cabeça vazia virou oficina do Diabo mesmo e abracei o capeta de vez: eu quero putaria. Eu quero ir em suruba, fazer menáge, troca de casal, exibir meu corpo. Eu não sou pra casar, eu não quero casar. Foda-se se me acham vagabunda, puta, promíscua, sou mais limpinha e cheirosa do que muita varoa por aí.
Minha guinada para o mundo liberal das relações, porém, me deu a ideia errada de que a gente tinha superado essa noção de que a mulher tem que se dar ao respeito. Na minha cabeça, não tinha mais essa coisa de mulher para comer e mulher para casar. Mas depois dessa cena de Tieta, depois de saber de algumas reações das pessoas à filmes que falam sobre a sexualidade feminina, como Babygirl e Nosferatu, minha ilusão passou. Porque sim, ainda estamos numa realidade em que homens cisgênero heterossexuais ainda fazem essa diferenciação entre esposa e puta.
Sempre se ouviu que os homens procuram uma santa na casa e uma puta na cama, a gente cresceu entendendo que precisa dessa dualidade para segurar o marido e ele não ir procurar putaria em outras paragens. Spoiler: ele vai procurar putaria em outras paragens, não importa o quanto você entrega na cama, e você deveria fazer isso também. No Meu Patrocínio, por exemplo (o site sugar que frequento), é muito claro como os caras fazem essa compartimentação do desejo. Muitos caras que puxam papo comigo são casados ou comprometidos, alguns que eu converso até dizem que tem uma relação maravilhosa com suas companheiras (omitindo delas, claro, essas “aventuras” paralelas). Mas na hora da festa, eles não querem a esposa. Eles querem uma puta, e enxergar a esposa como puta é inadmissível.
Como coloquei no meu perfil que curto um lance mais liberal no sexo, muitos já chegam com isso em mente, falando que querem ter essas experiências. E aí me pergunto: meu querido, já pensou em convidar sua esposa/namorada para te acompanhar numa suruba? Provavelmente pensaram, mas desistiram por ciúme, ou por acharem que isso não é coisa de mulher decente. Para a putaria, precisa de uma mulher pra comer, e não de uma mulher para casar.
Aí os caras vão no cinema assistir algo como Babygirl, olham para a Nikole Kidman loucaça por um jovem bonitão enquanto tem em casa nada mais, nada menos que Antonio Banderas, e não conseguem ficar em paz com a realidade de que a sua esposa provavelmente está insatisfeita com você sexualmente. Bate o medo, “será que minha mulher também finge orgasmo pra mim?". Será se sou um bananão como o Banderas nesse filme? Como assim ela está de quatro bebendo leite num pires? Isso é muito degradante para uma mulher casada…
Assim como Nosferatu. Não assisti ainda, mas uma amiga veio falar comigo sobre como percebeu que muitas das críticas negativas ao longa vieram de homens, que provavelmente ficaram chocados com o fato de a mocinha cogitar ficar com o monstro que a visita em sonhos, e não com o marido bonitinho, mas sonso, que não dá pra ela o que ela quer como mulher. O vampirão pode ser feio, assustador, mas pô: ele idolatra aquela mulher e a enxerga com a dose de desejo certa que ela precisa. Ela não quer ser mais uma esposa infeliz com o sexo meia-boca do marido. Ela quer FODELANÇA, PORRA.
Esse era o pensamento de Timóteo com Elisa: naquele momento da novela, comer a mulher como se estivesse comendo uma puta estava fora de cogitação, porque se entregar ao prazer não é coisa de “mulher direita". E a gente pode se enganar pensando que no meio progressista essa diferenciação não existe, mas ela existe sim. Quantas vezes eu não fui vista apenas como uma mulher que gosta de transar, mas que não dá pra se “levar a sério” além disso? Até tirei do perfil do Meu Patrocínio a parte que falo sobre curtir lance liberal, porque a partir do momento em que você explicita o que gosta sexualmente, os caras só vem falar sobre isso, só enxergam a puta. Mas sou muito mais do que só mais uma puta, né? Sou vagabunda, mas sou boa pessoa e tenho outras coisas para entregar.
Do mesmo jeito que eles não conseguem olhar para suas esposas como uma puta. Elas são mães de seus filhos, são as companheiras, são as que “merecem respeito", quando a gente sabe que mulher nenhuma é respeitada de verdade por um homem-cis-hétero. Na cabecinha dessa galera, a diferenciação de mulher para casar e mulher para foder ainda existe demais. Isso porque ainda somos meras pecinhas menores no tabuleiro da vida que os caras controlam.
Porque dá pra sentir o medo do homem quando ele encontra uma mulher que não tem vergonha dos seus desejos. Que tem independência para ir atrás deles sem depender de um homem a carregando pra cima e pra baixo. Que coloca os homens num lugar de objeto do mesmo jeito que eles fazem com as mulheres. Essa é a mulher pra comer, mas não pra desenvolver nada além de sexo, porque essa seria uma mulher difícil de controlar. Porque sexo é poder. Relacionamentos amorosos são puro jogo de poder. Dá pra ver direitinho que a vida familiar tradicional não abarca, ainda, o prazer feminino. Porque os caras têm medo demais desse desejo, dessa liberdade. Não dá pra controlar uma mulher que sabe o que quer e corre atrás disso, né?
O homem ainda diferencia a mulher para comer e a mulher para casar porque ele sabe qual delas vai ser mais fácil de manipular dentro de um relacionamento. “Mas Taize, eu tenho um marido/namorado que não é assim…” Parabéns! Você é a exceção da regra. Mas a regra ainda é clara: os relacionamentos que seguem o caminho tradicional da coisa ainda são, sim, muito baseados no poder masculino e no que ele pode arrancar de uma mulher (como sexo, carinho, compaixão, atividades domésticas etc.). A exceção, infelizmente, não é o cara que se escora na mulher para cuidar de todos os detalhes da sua vida e vai buscar prazer num puteiro. Esse é o padrão. Até dentro dos meios mais moralmente livres.
Por isso eu desisti total de querer uma relação com um homem nesses moldes. Não vejo vantagem alguma em estar num “relacionamento sério” (entre muitas aspas) para, eventualmente, cair na caixinha da “esposa que merece respeito” e, a partir desse compromisso, passar a ser uma entidade que organiza a vida e os humores da relação, e não alguém com desejos e liberdade de vivê-los. Invariavelmente, o homem chega pra mim e fala que começa a sentir ciúmes das minhas fotos semi-nua, que uma mulher que se mostra assim o envergonha (“olha lá a tua namorada se amostrando na internet"). Por mais querido, atencioso, compreensivo que ele seja no início da relação, a coisa acaba indo para esse lado. Minha sexualidade, em algum momento, vai ser um problema e o cara vai tentar controlar o que eu faço ao invés de ir numa terapia trabalhar as suas inseguranças que não tem nada a ver comigo.
Enquanto essa diferenciação existir, o melhor que eu tenho a fazer é ficar exatamente do jeito que estou. Não sou pra casar só porque sou vagabunda. Não sou pra casar porque isso seria o início do meu fim.
Olha isso aqui
Quando escrevi semana passada sobre como está sendo a vida sem o Instagram, o Angelo me recomendou a newsletter do Rodrigo VK sobre como consumir conteúdo em 2025, e assim: é isso. As redes sociais meio que mataram a “navegação” na internet, porque o objetivo dessas plataformas é te manter preso dentro delas. Muitos usuários que entraram na internet já na era do Facebook e do Instagram não sabem como navegar na internet, porque pra eles a internet é o que está na rede social. O que o Rodrigo falou nessa newsletter é o movimento que eu tenho tentado fazer: consumir as coisas que estão fora das redes, clicar em links, ser levada de um lugar para o outro. Era assim que a gente fazia quando a internet era super legal. Só para ver como os links estão esquecidos, tadinhos: tá rolando uma trend aqui no Substack de indicar 4 newsletters que gostou de ler no Notes, mas ao invés de dar o link para essas news, a galera posta o print. Meu querido, print não vai fazer as pessoas irem pesquisar e ler o que você indicou. Coloque o link, se você quer indicar mesmo, já deixa o caminho pra pessoa chegar lá.
Concordei demais com esse texto da Mariana Coutinho sobre como viralizar não é o desejo de todo internauta. Lembro que quando fiz um episódio do finado Santa Reclamação de Cada Dia reclamando do Felipe Neto, um chefe disse que queria que o episódio viralizasse, e só respondi: plmdds, não! Eu lá vou querer os fãs doidos dele me enchendo o saco?
Eu sou vagabunda, você é vagabunda, somos todos vagabundas, e não tem nada de errado nisso. Gostei muito desse texto da Laura Hoenack sobre não se sentir envergonhada por ser uma vagabunda.
Essa matéria da piauí sobre a lotação da exclusivíssima piscina do hotel Rosewood, em São Paulo, mostra muito bem como rico gosta de ser feito de trouxa. Ano passado eu fui como convidada na Soho House umas duas vezes, o lugar é realmente bonito, foda, tem aquela opulência luxuosa, mas os frequentadores… Pensa numa galera cujo sentido da vida é se aparecer para os outros. Performar riqueza. E aí quando fiquei sabendo que a piscina do hotel estava bloqueada durante certo período para os membros da Soho House, soltei uma grande gargalhada. Vocês pagam mais de 8k por ano para serem barrados na piscina nos dias mais quentes do ano? Mas bem, não vou ter pena de rico, né? Mas o fracasso dessa experiência de luxo, riqueza e exclusividade é engraçado demais.
Como segunda-feira foi o Dia Mundial do Gato, acabei postando no notes algumas imagens dos meus felinos. Então deixo aqui pra quem não usa o app do Substack e me lê só no e-mail:
Tchau, até a próxima!
Simplesmente terminou a news com "Não sou pra casar porque isso seria o início do meu fim", senti um impacto bem aqui
É foda pensar que se relacionar com homem é sempre esperar ele tirar vantagem de você em algum momento. Não importa o tanto que você tente se encaixar no que lhe pedem... e se eu tiver que passar por isso pra sustentar um casamento, é melhor morrer sendo tia então hahaha