Capítulo 2
Era agosto e ele estava em São Paulo. Depois de anos de conversa e de um desejo de nos virmos pessoalmente, sempre adiados pelo medo, me chamou para um café. Nada de mal pode vir de um café. Quem quer ter uma conversa amigável chama para um café. Quem quer algo a mais, chama para um drink. Aceitei.
Fiquei o dia todo nervosa com esse encontro, dizendo para mim mesma que nada iria acontecer. Vamos só conversar como amigos, atualizar um ao outro sobre a vida, relembrar os tempos em que nossa maior responsabilidade era acompanhar tópicos sobre a vida dos elfos. Um encontro amigável.
Mas o frio na barriga não foi embora por um minuto sequer. Eu não queria me envolver com algo que eu sabia que daria errado. Dar errado era uma certeza que eu tive desde o início do flerte. Na verdade, eu sempre penso que qualquer flerte vai dar errado. Se ele tentar se aproximar, vou me afastar. Se ele tentar me beijar, vou dizer não. Se eu ficar com vontade de beijar ele, vou refrear esse desejo e qualquer outro que aparecer.
Não havia tarefa que me concentrasse. Secretamente, eu estava contando os minutos para o fim do expediente. Não parecia que eu ia encontrar um velho amigo, parecia que eu iria conhecer o diagnóstico de uma grave doença. Você está contaminada, diria o médico. Vê-lo seria ver a doença, saber como ela era e confirmar que a cura não seria nada fácil.
Quando desci as escadas do escritório para encontrá-lo no lado de fora, me segurava com força no corrimão com medo de cair. Eu me sentia fraca. Cada passo era uma possibilidade de me estabacar no chão e lá ficar.
Saí do prédio e nem sinal dele. Ele disse que estaria ali esperando. Era frio, daqueles dias que você deseja voltar para casa o mais rápido possível para ficar debaixo das cobertas depois de um banho quente. Talvez ele tenha desistido e voltado para o hotel, me deixando ali. Entrei no café do prédio, escaneei o ambiente para ver se o encontrava. Olhei duas vezes para cada pessoa para me certificar que nenhuma era ele. Ao me virar para a porta novamente, lá ele estava.
Sorrisos e abraços. Coisas tão cotidianas que não se fixam na nossa memória. Mas esse se fixou. Um sorriso aberto, meio sacana, mas de um jeito positivo, bom. Um abraço longo e apertado, como se a gente tivesse ficado 20 anos sem se ver — e ficamos, de certa forma. Na primeira vez que tentei me afastar, ele me apertou um pouco mais, só para fazer o abraço durar mais alguns segundos. E o sorriso continuava lá. Não sei que cara eu tinha, mas ele estava feliz com esse encontro. Não parecia nervoso como eu.
E nesse nervoso eu tagarelei. E o café, para onde vamos? Não sei, não conheço a região. Tem o café aqui do prédio. Não, melhor ir para outro lugar. Nessa hora acho que não tem cafés abertos, só bares. Pode ser, café era só uma maneira de falar. Tem um japonês aqui perto que é ótimo, tem drinks e comidinhas. Meio caro porém. Tudo bem, se for bom vamos lá, você é minha convidada.
Andamos para o restaurante, não lembro sobre o que conversamos. Se sobre sua viagem, seu trabalho, ou se sobre o meu dia, o meu trabalho. O restaurante estava cheio, mas conseguimos dois lugares no balcão. Eu sou fã de sentar em balcões, acredito que fica menos pomposo, menos burocrático. E mais próximo. Mas meu plano de afastamento começou a dar errado justamente ali. Não era sensato ficarmos próximos.
Pedi gin tônica, não lembro o que ele pediu. Bebemos conversando sobre pessoas conhecidas com as quais eu não falava há muito tempo. De algumas mal lembrava. Mas ele sempre manteve contato com todos. Era muito mais próximo deles do que eu. Pedimos algo para comer, conversamos animados com o barman escolhendo mais um drink. Comecei a me sentir alegre, daquele jeito que eu sei que, se ele tentasse alguma coisa, eu cederia. Todos os meus planos sempre dão errado.
Mas ele não tentou nada. Permaneceu no seu lugar, evitando chegar perto demais. Havia uma barreira invisível entre a gente, um campo magnético que fazia com que orbitássemos, mas longe de nos tocar. Enquanto ele me explicava algo do seu trabalho, eu só conseguia dar olhadas para seu braço. Eu tenho um fraco por braços. Não eram super musculosos, mas o formato estava lá. Queria tocar, mas não podia não podia não podia.
Aí tocou o meu celular. Um problema do trabalho para resolver de última hora. Vou precisar ver isso aqui, desculpa. Relaxa, já está na hora de ir, né? Sim, tô meio bêbada, melhor ir para a casa. Deixa que eu peço a conta. Vou pedindo meu carro. Não, deixa que eu te dou uma carona, fica no caminho do hotel. Não ficava no caminho do hotel, claro.
Na rua, no frio, as bochechas vermelhas e o vapor do hálito saindo da boca, tivemos um momento de silêncio. Seria constrangimento se não tivéssemos conversado tão tranquilamente. Depois percebi que era expectativa. Um esperando que o outro desse um passo à frente. Mas os dois ficaram parados, se olhando e rindo, descrentes de que realmente tínhamos nos visto depois de tanto tempo.
O carro chegou, entramos, conversamos sempre trocando olhares que diziam eu quero, mas não posso. Eu quero muito, mas é errado. Se você quiser, eu quero também. Mas nenhum movimento foi feito.
Chegamos na minha rua. Ele saiu do carro comigo para me dar um último abraço. Um beijo na bochecha. Um boa noite caloroso em uma noite gelada. Acenei um último tchau do portão, me virei e peguei o elevador para o meu apartamento. Deu tudo certo. Não caí em tentação. Abençoai a minha resistência, amém.
Tá bem?
Quem nunca viveu uma experiência de alta tensão sexual, não é? Eu sou fã da expectativa de que algo aconteça, mas a incerteza é tanta que é capaz de nada acontecer. Acho que meus casais favoritos da ficção sempre vivem esse tipo de coisa. Não sei dizer que casais são esses agora, kkkkrying, mas amo histórias assim. O amor é confuso e doido, né, por mais que a gente queira algo simples e tranquilo, são as histórias conturbadas que acabam reverberando.
Bem, esse foi mais um capítulo. Me digam o que acharam. :)
Momento Links
Gente, eu abri um OnlyFans. Pois é. Já ensaiava essa ideia há algum tempo, e finalmente tive coragem. Lá eu farei o Clube do Livro Sem Pijama, para manter a editoria livros em todas as plataformas possíveis. Mas, claro, com imagens que o Instagram não aprovaria. E ainda aproveito para biscoitar quando estou na vibe. Para quem quiser assinar, são 8 dólares por mês. Só entrar aqui.
Falando em OnlyFans: o LitHub publicou esse artigo sobre a plataforma e como escritores também estão usando ela para a ficção. É o caso da escritora Aurora Mattia, que além de fotinhas sexy também usou o OnlyFans para publicar seu novo livro.
Amei demais essa live:


Isso aqui é um absurdo:



O último episódio do PPKANSADA foi sobre relacionamentos abusivos. Ouve aí!
Beijos, e até semana que vem!