Desde que comecei meu finado blog de resenhas lá em 2009, eu faço esse negócio de listinha de melhores leituras do ano. Gosto de olhar pra tudo o que foi lido, ver que não falhei tanto assim nessa coisa de ser leitora, e de relembrar essas histórias que, a gente sabe, sempre esquecemos assim que fechamos um livro.
Lembrando que não falo apenas de livros lançados em 2023, mas das leituras que fiz no ano. E dessa vez vou fazer na ordem cronológica com que foram lidos.
2023 começou com Aos prantos no mercado, de Michelle Zauner (Fósforo, tradução de Ana Ban), que eu não esperava que fosse tão bom. Vocalista da banda Japanese Breakfast, neste livro ela escreve sobre a perda da mãe, com quem teve momentos conturbados durante a adolescência, o processo do luto, além de toda a questão de pertencimento e identidade e a criação artística. Pensa num livro lindo, numa homenagem mais do que bem feita para alguém que sentimos ter desapontado, mas amamos muito.
Logo depois de Zauner, fui para esse pequeno volume da Elena Ferrante que fala sobre o seu processo de escrita, As margens e o ditado (Intrínseca, tradução de Marcello Lino). É um livrinho que reúne três aulas sobre escrita dadas pela autora de A amiga genial, e mais uma palestra, e o que me pegou aqui foi ver de forma tão clara a relação de Ferrante com a literatura. Ela fala sobre o processo de se desvencilhar da escrita feita por homens, que sempre foi sua referência, de ultrapassar as margens ao escrever e encontrar sua voz ali dentro. Esse livro, assim como o de Zauner, me despertaram para querer escrever mais, pois ambas falam sobre a dificuldade que encontram para criar. Se Ferrante, essa mulher foda, também achava que não era capaz e tinha as mesmas inseguranças que eu sinto, bem, tenho a inspiração para no mínimo tentar.
O próximo na lista foi uma descoberta desse ano, pois eu não fazia ideia de que ela, Maria Adelaide Amaral, escrevia livros. E nesse ano a Instante reeditou seu primeiro romance, Luísa (Quase uma história de amor), que venceu o prêmio Jabuti de 1987. Através de cinco personagens que orbitam o mundo de Luísa, conhecemos essa mulher enigmática que vive uma relação extraconjugal em um período marcado pela opressão da ditadura. Eu amei esse livro, li tão rápido, foi tão gostoso, e conversou tanto comigo. Cada personagem tem suas falhas e qualidades, ninguém ali é perfeito, e foi isso o que mais gostei. O livro é ágil, diálogos perfeitos, você se conecta com cada personagem de uma forma diferente. Apenas amei.
Êxtase, da Katherine Mansfield, está aqui por um motivo especial. Mal acreditei quando recebi um convite da Antofágica para escrever a apresentação desse livro. Ler os contos de Mansfield, traduzidos pela Nara Vidal, foi descobrir mais uma autora maravilhosa que sabe descrever os detalhes da vida como ninguém. E os textos são sobre isso, essa vida que atropela nossas alegrias e nossas tristezas. Há choro, mas há riso, às vezes tudo junto ao mesmo tempo. Me senti honrada demais de ter feito parte desse livro.
O livro que mais indiquei esse ano com certeza foi O inconsciente corporativo e outros contos, do Vinícius Portella (DBA), que me arrebatou demais. São textos em que ele explora nossa relação com a tecnologia e a internet, seja falando de apps de namoro ou de fóruns obscuros comandados por gente escrota. Muito se falou sobre o livro remeter a Black Mirror, mas ele é muito melhor. Os contos são mais pé no chão, são realidades que podemos ver facilmente acontecendo hoje com nós que somos cronicamente online. Além de tudo, é um livro bem-humorado, inteligentíssimo, tudo o que eu gosto num livro de contos. Virei fã mesmo.
Seguido desse, li O clube dos jardineiros de fumaça, da Carol Bensimon (Companhia das Letras), um livro lançado já há alguns anos, mas que só peguei em 2023 para ler. Esse romance é uma viagem pela história de uma região marcada pela plantação da maconha, protagonizado por um cara que deixou o Brasil depois de uma treta envolvendo a plantinha. Bensimon é mestre demais em construir cenários, em costurar a trama com momentos históricos que contextualizam mais o tema. Foi gostosíssimo de ler, me deu aquela vontade de conhecer Mendocino, e uma inveja de quem consegue escrever tão bem. Porra, Carol, você esculacha, apenas.
Eu, que nunca li Susan Sontag, mas sempre tive curiosidade, amei demais Sempre Susan, da Sigrid Nunez (Instante, tradução de Carla Fortino). Já sou fã dos romances dela, mas aqui ela apresenta suas memórias da convivência com Susan Sontag durante o período em que foi assistente da escritora e namorou o seu filho. É uma leitura gostosíssima, com toda a vibe de fofoca literária, porque Nunez não mede as palavras para descrever o quão peculiar foi Sontag. Mais um livro que me deu aquela dose de inspiração para me dedicar à escrita, sabe?
E logo em seguida vem ele, meu escritor do coração, George Saunders, com uma nova coletânea de contos chamada Dia da libertação (Companhia das Letras, tradução de Jorio Dauster). Os temas já recorrentes de Saunders aparecem aqui: a ambiguidade moral, a violência nada velada, as visões de um futuro estranho, mas apenas uma versão mais exagerada da nossa própria realidade. Como pode uma pessoa tão do bem como Saunders esquematizar histórias que podem ser tão tenebrosas? É por isso que ele é mestre no que faz.
Ah, já estava esquecendo de uma pessoa muito importante: Lucia Berlin. Em 2023 li o segundo livro de contos da autora que a Companhia das Letras publicou, com tradução de Sonia Moreira. Noite no paraíso pode ser lido como uma continuação de Manual da faxineira, porque a vibe está toda ali: a biografia de Berlin se mistura à ficção de um jeito divino. Quem gostou do Manual, pode ler esse sem medo.
E o que falar dela, Joan Didion? Finalmente li Noites azuis (Harper Collins, tradução de Ana Carolina Mesquita), livro em que ela trata principalmente da morte de sua filha, Quintana. É uma leitura bem emocionante e bonita sobre entender que somos todos mortais. Como pais, não se espera que os filhos morram antes de você, e Didion explora isso no seu texto cheio de referências e memórias.
E pra terminar, tem As flores do bem (Fósforo), que falei há algumas edições passadas, livro em que o neurocientista Sidarta Ribeiro desmistifica muitas concepções sobre a maconha e traz um panorama geral sobre estudos feitos com a planta, a luta para a liberação do uso medicinal e recreativo, a violência do tráfico e todas as mentiras criadas para transformar a maconha em inimigo público número 1. É uma leitura bem informativa, com uma linguagem fácil de compreender, e que deveria ser lida por muita gente.
E foi isso! Acho que 2023 foi um ótimo ano de leituras aqui pra mim. Primeiro porque consegui me dedicar mais a isso do que no ano passado, eu tava me sentindo muito uma farsa como influencer literária. Agora contem aqui se algum desses livros está na sua lista de melhores leituras também, e não se acanhem de deixar indicações pra 2024. :)
Outras dicas
Rolou um burburinho literário no começo dessa semana depois que autores homens-cis-brancos protestaram contra a lista de leitura da Fuvest que, nos próximos anos, contará apenas com obras escritas por mulheres. É sempre isso: quando o homem branco não é exaltado como o suprassumo da existência humana, ele fica chateadinho. Ele não consegue enxergar além do alcance do próprio pau (que é pequeno, provavelmente). Mas quem escreveu muito bem sobre isso foi a Jana Viscardi, que deu um belo tapa com luva de pelica nessa galera. Leia aqui.
Jornalismo é isso: uma investigação in loco do fenômeno mais brega da cozinha paulistana que é o restaurante Paris 6, por Laurinha Lero. Me dá agonia só de passar na frente daquele lugar.
Já quero deixar aqui também uma pré-indicação: em janeiro o Rodrigo Levino vai publicar crônicas sobre luto e gastronomia na newsletter (e e-book) Guardei umas coisas pra te mostrar. Já li alguns textos que estão por vir e digo que apenas chorei. Venham aqui assinar a news do Levino para não perder essa grande estreia.
Última newsletter do ano entregue! Obrigada, gente, por terem acompanhado a volta desse espacinho online. Tenho grandes planos pra isso aqui em 2024, então espero que eu não desista desses planos, rs. Tenham um bom fim de ano, descansem, leiam, tomem banho no mar, na piscina, onde quer que for. E até logo. :)
Boas festas, Taize! Foi muito bom ter descoberto sua newsletter esse ano.
Vou deixar 4 dicas e 1 elogio: ansiosa pela sua news em 2024!
- Fim (Fernanda Torres)
- Ricardo e Vânia (Chico Felitti)
- Minhas queridas (Clarice Lispector)
- A Uruguaia (Pedro Mairal)