sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #150
Li muita coisa boa segundo o The New York Times
Então saiu a lista do The New York Times com os 100 melhores livros do século XXI. Alguns livros foram escritos no século XX, mas vamos relevar isso, deve ser porque o autor ainda tá vivo. Mas né, ainda estamos na primeira metade do século, tem coisa do passado que impacta os dias atuais.
Mas enfim, a lista gerou discussões, como qualquer lista gera. A principal, imagino, de que a maioria dos autores são de língua inglesa. E são mesmo, não dá pra esperar muito além disso do NYT, um jornal norte-americano. No mercado editorial, eles são a maior referência. Soft power, sabe? A literatura em língua inglesa sempre proliferou pelo mundo por causa disso, narrativas também servem para propagar um ideal de mundo. Não tem como a gente esperar um brasileiro na lista quando o nosso mercado ainda é tão pequeno perto deles.
Assim como a literatura traduzida aqui vem muito de lá. Até uns 10 anos atrás, a gente nem falava de ler coisas mais diversificadas, esse é um movimento muito mais atual. Na minha lista de leitura, a maioria dos livros são de autores ingleses ou norte-americanos. Normal, nosso mercado também os privilegia, são as grandes editoras de lá que sempre chegam com as novidades mais quentinhas pra vender aqui.
Então sim, uma lista muito norte-americana, mas de novo: é o que esperamos de norte-americanos, que olhem mais para o próprio umbigo. Por isso fiquei até surpresa com Elena Ferrante ter pego a pole position, uma italiana que ninguém conhece a fuça. Gostei.
Assim como gostei da lista em si. Separei aqui tudo o que li do que incluíram lá, e tem vários dos meus livros favoritos — enquanto vários outros ficaram de fora, claro, mas hey: listas funcionam desse jeito mesmo. E como gosto muito desses livros, decidi comentar na ordem em que apareceram lá no NYT pra relembrar, também, as coisas que adorei ler.
Sobre a beleza, Zadie Smith
Na posição 94, colocaram essa belezinha da Zadie Smith que é uma das minhas autoras favoritas. Na minha lista pessoal ele certamente estaria numa posição mais alta. Na história, uma família se muda para os EUA depois que o pai, um historiador da arte, vai trabalhar numa universidade de lá. Com filhos adolescentes e jovens-adultos, os dramas da família vão se apresentando conforme o cara lida com o job na universidade e as tentações da carne — na forma de uma aluna bonita, claro. Como alguém que ama história de tretas de família e ambiente universitário, esse livro foi uma belezinha. Se fosse um filme, com certeza seria um daqueles dramas que passariam no Supercine.
Estação Onze, Emily St. John Mandel
Logo depois de Smith, tem Emily St. John Mandel com Estação Onze. Lembro que, lá no comecinho da pandemia, recomendei muito esse livro, porque a situação parecia se encaixar muito: uma doença mata boa parte da população mundial, a protagonista é apenas uma atriz-mirim que observa a tragédia se desenrolar no palco quando o ator principal morre. Mas esse é só o começo, 20 anos depois, com a sociedade tentando se reerguer, ela participa de um grupo de teatro itinerante que encena Shakespeare para os sobreviventes e pessoas que nasceram após o colapso. Se vende como ficção científica, mas é uma daquelas histórias que falam de relacionamentos, crenças, enfim, sobrevivência. Lindo lindo.
The Collected Stories of Lydia Davis
Lydia Davis é uma contista que eu adoro, e ficou na posição 88. Aqui no Brasil, saíram dois livros de contos dela: Tipos de perturbação e Nem vem, que devem compor esse Collected Stories aí. Davis trabalha com a narrativa curta, e quando eu digo curta, é curta mesmo: alguns contos possuem uma frase, cinco linhas, outros ocupam duas páginas. Mas até nos mais longos, ela se sobressai. É aquele tipo de escritora que trabalha com humor refinado enquanto transforma em micro-história alguma coisa besta da vida, como ficar em casa esperando um telefonema.
Pastoralia, George Saunders
O livro 85 é o início da procissão de George Saunders nessa lista, e ele vai aparecer mais vezes. Pastoralia é uma coletânea de contos que tratam de pequenas violências e absurdos do cotidiano. Ele também tem uma pira meio fantasiosa, às vezes distópica, porque muitos textos se passam em um futuro não muito distante em que alguma nova experiência coloca humanos em condições não-humanas. Gente que trabalha em um parque de diversões que simula a vida na idade da pedra, gente que está num laboratório recebendo substâncias que afetam suas emoções… Mas o cerne dos textos é sempre o nosso comportamento, como lidamos com situações de perigo, de medo, de controle. Ele é, sim, um dos autores que estariam no topo da minha lista — mas esse topo será ocupado por outro livro dele.
Pulphead, John Jeremiah Sullivan
Em 81 tem esse livro que, tirando a bolha que lê David Foster Wallace, não conheço tanta gente que conhece. Pulphead é um livro de ensaios e reportagens de John Jeremiah Sullivan que, na época em que lançou, trazia a vibe dos textos de não ficção do DFW, acho que ele até foi vendido como uma nova versão dele. Lembro de ter gostado de ler, mas hoje esse livro não tem mais tanta relevância pra mim — aquela coisa, muito América do Norte, muito a cultura dodói dos yankes. Mas foi divertido ler.
História da menina perdida, Elena Ferrante
Em 80 tem o último livro da tetrologia napolitana da Elena Ferrante. Lembro bem da ansiedade que senti quando esse livro saiu, li metade na prova que a editora mandou e a outra metade com o livro pronto, tão grande era a ânsia de saber como a história de Lila e Lenu terminava. E não fui decepcionada: encerrou muito bem essa que é, sim, uma das grandes obras literárias do nosso tempo.
Manual da faxineira, Lucia Berlin
Logo depois, em 79, vem Manual da faxineira, da Lucia Berlin, que eu também fiquei fascinada quando li pela primeira vez (já deu tempo de ler uma segunda, e segue sendo maravilhoso). Contista, Lucia Berlin foi “redescoberta” ali em meados de 2014 com essa coletânea que reuniu seus melhores contos, redescoberta que veio muito por causa da Lydia Davis, que sempre a admirou. Se eu fosse querer escrever como alguém, seria como Lucia Berlin. Ela usou muito da própria história como base para os textos que falam de relações familiares, vício em álcool, histórias de amor complicadas e como a vida vai te jogando de um lado pro outro. Também colocaria lá em cima na minha lista.
Olive Kitteridge, Elizabeth Strout
Pulando pra posição 74, tem o romance mais aclamado da Elizabeth Strout, outra autora que aprecio demais — apesar de ter lido só dois livros dela, mas foram dois ótimos. Claro que Olive Kitteridge foi um deles, um livro que acompanha essa mulher de meia-idade/idosa numa cidadezinha norte-americana e suas relações com o povo que vive lá. A cada capítulo, temos um vislumbre de uma dessas pessoas e como elas se enredam na história da Olive, que pra mim é uma personagem maravilhosa. Complexa, fechada, mas que vai se revelando aos poucos, sabe? Bom livro.
O amigo, Sigrid Nunez
Em 68 tem O amigo, da Sigrid Nunez, que é mais um xodó literário meu, esse mais recente. É sobre uma mulher que acaba “adotando” o cachorro de um amigo que morreu, um dogue alemão, que não tinha com quem mais ficar. A presença do cão causa ansiedade, porque ela não pode ter animais no apartamento, mas a ligação que ela teve com esse homem é forte demais para que ela não acolha o bicho. E aí ela e cão passam a conviver e a compartilhar a tristeza pela perda do cara. É um livro bem literário, no sentido de que há muitas citações a livros e autores que ajudam a protagonista a explorar o que sente. Maravilhoso, apenas.
Complô contra a América, Philip Roth
Em 65, vem Complô contra a América, meu livro favorito do Philip Roth, porque ele é meio distópico, né? Tudo mostrado pelo ponto de vista de um garotinho judeu, que observa como sua família reage à eleição de um presidente simpático ao nazismo nos EUA. É meio que uma brincadeira de “e se…". E se Roosevelt não tivesse ganhado a eleição, o que teria acontecido? E aí, gente, é paranóia atrás de paranóia. Eu adorei, ainda mais porque na época que li uma coisa chamada Jair Bolsonaro estava acontecendo aqui no Brasil, e assim, é assustador.
Dez de dezembro, George Saunders
Olha ele de novo! Em 54 temos Dez de dezembro, o primeiro livro do Saunders que li e o que fez eu me encantar com ele. Já li no Clubize, já indiquei para um caralhão de gente. Se você quer ler contos, por favor, comece com esse. Ele tem a vibe que eu falei lá sobre Pastoralia: os contos são experimentos sobre as reações e emoções humanas. Tem um toque de humor no texto, mas as histórias são predominantemente sombrias. Porque na vida sempre tem alguma coisa ruim rondando as pessoas, mesmo quando elas têm as melhores das intenções. É um dos meus favoritos sim.
A vegetariana, Han Kang
Depois dessa chuva de norte-americanos, vem Han Kang na posição 49 com A vegetariana. Achei justíssimo, ela foi uma das autoras sul-coreanas que mais se destacaram nos últimos anos (preciso ler mais coisa dela, aliás). Esse aqui eu gostei bastante, aquele tipo de livro de gente perturbada, que causa estranheza, que mistura realidade com loucura. Enfim, uma mulher de repente para de comer carne e essa decisão vai causando conflitos na sua família, e ela vai se tornando cada vez mais esquisita. Material bom demais.
O Pintassilgo, Donna Tartt
Em 46, temos Donna Tartt com O pintassilgo. Lembro demais da época que lançou aqui, porque foi uma grande aposta da editora em que eu trabalhava. Me encantei mesmo pela história, as 50 primeiras páginas do livro são um primor, uma narrativa frenética. E, bem, é um clássico romance de formação: um garoto perde a mãe em um atentado em um museu de Nova York e ele, confuso, acaba “roubando” uma obra de arte — o tal Pintassilgo. Nos anos a seguir, acompanhamos o crescimento dele, o trauma da perda e da culpa de estar com um objeto tão valioso. É um bom livro, mas se eu for escolher um da Donna Tartt para indicar sempre, não seria esse, seria A história secreta, que me pegou muito mais.
A visita cruel do tempo, Jennifer Egan
Em 39 tem esse grande rolê literário que foi A visita cruel do tempo, da Jennifer Egan. O negócio desse livro é como cada capítulo apresenta uma narrativa diferente, mas todas as histórias estão conectadas. E Egan procurou fazer isso das mais diversas formas, até usando powerpoint. Na época que li, o que já deve fazer 10 anos, eu amei tanto que se tornou um dos meus livros favoritos. É aquele tipo de história que você não sabe pra onde vai, mas quer continuar acompanhando só pela maneira com que é apresentada.
Os detetives selvagens, Roberto Bolaño
Esse livro foi marcante demais pra mim. Quem nunca leu um autor específico porque sua paixonite da época o adorava? Foi assim que li Roberto Bolaño, e comecei com Os detetives selvagens, um presente da tal paixonite. Foi um acontecimento ler sobre essa galera mergulhada na vida literária, procurando por uma poeta desconhecida no meio de um deserto. É um dos livros que tenho muita vontade de reler, agora sem a intromissão da paixonite, sem querer surpreender alguém, só pra aproveitar a história mesmo.
Dentes brancos, Zadie Smith
Em 31 temos mais um da Zadie Smith, o primeiro romance dela (esgotadíssimo há anos no Brasil, tive que ler em inglês mesmo). Também um romance de formação que acompanha uma garota filha de jamaicanos vivendo em Londres, além de outras personagens que convivem com a sua família. Um catatau cheio de dramas, mas a questão principal é a identidade, sobre crescer em um contexto cultural bem diferente da do país que você reside. A maioria das personagens são filhos de imigrantes que se dividem entre agradar a família e querer pertencer à realidade urbana. Livro maravilhoso demais.
O último samurai, Helen DeWitt
Fiquei bem surpresa de ver O último samurai, da Helen DeWitt, nessa lista! Conheço pouca gente que leu esse, e só conheço porque um namorado na época me indicou. É sobre uma mulher deveras inteligente e solitária que, numa noite de bimbada, engravida. Ela cria o filho sozinho, que se mostra desde cedo alguém fora do normal — a criança lê Ilíada com 5 anos de idade, sabe? Parte do livro é sobre essa mãe solo, suas peculiaridades e o convívio com o filho, já outra parte é o próprio garoto, mais crescido, querendo descobrir quem é o seu pai — porque se ele é um gênio, seu pai também deve ser um. Assim, livro gostoso, engraçado, doido, perfeito. Se não me engano, foi o único livro dela traduzido aqui, já esgotadíssimo, mas fui ler outras histórias dela que amei também.
Ódio, amizade, namoro, amor, casamento, Alice Munro
A autora “cancelada” da última semana também está na lista, e numa posição alta: 23. Ódio, amizade, namoro, amor, casamento foi, acho, meu primeiro livro da Alice Munro, e li há tanto tempo que, sinceramente, não lembro nada sobre ele. É o que tenho a dizer: dos livros dessa lista, este nem estaria na minha, porque apenas esqueci.
Lincoln no limbo, George Saunders
TRÊS VEZES NA LISTA, PODE PEDIR MÚSICA NO FANTÁSTICO, SAUNDERS! Lincoln no limbo merece muito estar aqui na posição 18 (pra mim, estaria talvez em primeiro). É o primeiro romance do George Saunders, eu na época estava tão na expectativa para ler que nem aguardei a tradução, e fiz certo: livraço. Saunders parte da morte do filho adolescente de Abraham Lincoln para falar de morte, luto, amor, carinho. A maior parte da trama se passa num cemitério, onde o fantasma do garoto está perdido — no “limbo” — junto com outras almas que residem no local. Mas essas almas inquietas querem ajudar o moleque a “seguir em frente", e encontram nele uma forma de talvez conseguirem se comunicar com o mundo dos vivos. É um livro deslumbrante. A forma de narrar é totalmente diferente, são apenas diálogos, toda hora aparece um fantasma novo querendo contar sua história, e do nada vem algumas citações reais e fictícias para dar o contexto da época. Pra mim, é a coisa mais criativa e bela já escrita.
O vendido, Paul Beatty
Em 17 tem O vendido, do Paul Beatty, que lembro que foi uma sensação quando saiu também. Lembro de ter gostado muito dele, é sobre um cara negro que vive num subúrbio de Los Angeles que cresceu sendo "cobaia” do pai, um sociólogo. Mas adulto, na iminência desse lugar ser destruído, ele institui uma “segregação às avessas” e faz seu próprio experimento social. Lembro de ter gostado muito na época.
As correções, Jonathan Franzen
Claro que ía ter um Jonathan Franzen nessa lista, e que ele estaria numa posição alta como o 5º lugar. O que acho exagerado, mas fazer o quê? Pelo menos escolheram As correções, que é muito melhor do que qualquer outro livro escrito pelo Franzen. Desse eu gosto mesmo, apesar de lembrar pouco. Mas, novamente, drama familiar, crise no casamento, pai com Alzheimer, homem sendo massacrado pelo peso da vida. Bom, mas não entra nem na minha lista pessoal de favoritos.
A amiga genial, Elena Ferrante
E em primeiríssimo lugar, A amiga genial. Aplausos, porque sinto até hoje a euforia que me tomou quando terminei de ler esse livro. Pra mim, merece essa posição demais. Acho que toda mulher que gosta de ler e de escrever se sentiu conectada com a infância de Lila e Lenu, com essa paixão delas pela literatura e por enxergar nos livros uma maneira de escapar da realidade cruel de ser mulher numa sociedade machista na Itália dos anos 1950/60. Que é, para muita gente, uma realidade até hoje. Eu sinto que fui salva pelas histórias de ter uma vida sem graça, então eu exalto demais Elena Ferrante e o que ela fez aqui.
É isso, queria fazer uma edição comentando a lista mais para relembrar esses livros que eu gostei tanto. Me digam aí o que vocês acharam, qual desses leram. E o que mais estaria na minha lista? Bem, isso deixo para outro momento.
Vamos às dicas
Comecei a ver na semana passada Acima de qualquer suspeita, na AppleTV, e já estou gritando CADÊ O PRÓXIMO EPISÓDIO? Ela é protagonizada pelo Jake Gyllenhaal, que é um procurador da justiça de Chicago que tem a vida revirada quando uma colega dele é assassinada. Bem, dando spoiler, a suspeita recai sobre ele, que foi seu amante, então a série mostra toda a treta da investigação e julgamento. O negócio é que você não sabe quem tá falando a verdade, porque nenhuma personagem ali é confiável. Então fica a famosa expectativa: e aí, quem matou? Tô adorando.
Valeu, gente, por mais uma semaninha de vagabundagem aqui! E oh, quem quer apoiar a newsletter e esta escritoura, considere ser um assinante pago para ouvir o podcast exclusivo do Vagabunda. Só R$ 10 por mês.
Agora me vou, tchau.
Oi Taize, agora sim estou com a leitura da news em dia. Bom, coloquei "A vegetariana" na minha lista, valeu pela dica e, não tem como não comentar do Roberto Bolaño. Realmente, "Os Detetives Selvagens" é um lado belo e caótico do México, aventureiro, enquanto o "2666" é o lado mais negativo e perverso. Você escreveu que pretende reler ele. Recomendo! Inclusive estou na minha terceira leitura dele e a segunda parte, continua bela como sempre!!!
AXÉ!!!
Como leitora mediana, não li nenhum da lista da NYT, mas vi que tem um ali que está na minha lista de leituras O Simpatizante, que por enquanto vi somente a série que tá na HBO (a qual me gerou o interesse pelo livro)
E lendo os comentários, já me gerou curiosidade por outras listas famosinhas.
Um cheiro querida