O dilema de ser feminista e querer um sugar daddy
Era 2014 e um site tinha acabado de ser lançado. Lembro que estava no trabalho e comentei com os colegas sobre essa novidade: um lugar para encontrar um sugar daddy. Eu já tinha tido contato com esse termo, fiquei curiosa e, ao mesmo tempo, chocada com o fato de que existiam pessoas (homens e mulheres) que tinham essa pira de pagar coisas para seus contatinhos. Para uma funcionária do mercado editorial que ganhava R$ 2500 por mês, essa ideia me pareceu atraente mesmo. Mas não entrei no tal site, a culpa cristã não permitiu. Fiquei fazendo piada sobre ele com o resto da internet. Nada mais deprimente do que sair com um homem velho rico só para ter uma graninha a mais na conta, né?
Corta para 2023: depois de muitas desilusões amorosas, estresses com homem por causa do meu antigo romantismo e desejo de ser amada, ganhando melhor, mas pagando mais caro para viver em São Paulo, estafa total com os apps comuns de relacionamento e a cabeça totalmente doida pós-pandemia, lá fui eu: criei coragem e fiz um perfil no tal site — que não citarei aqui porque não estou sendo paga para fazer propaganda pra eles, e na verdade isso nem é uma propaganda. Tive que pagar R$250 para ser “aprovada”, porque é claro que um site desses não vai ser de graça. Só pensei: quer saber? Foda-se, é só mais um lugar pra conhecer gente, se o cara quiser me dar uns mimos vez ou outra, melhor do que tentar sair com quem sequer consegue marcar um rolê comigo e só fica pedindo nude de graça.
Quando contei para as amigas sobre meu perfil lá, muitas falaram comigo naquele tom de preocupação, algo super justo e comum quando o assunto é o papai de acúcar: cuidado para não se tornar dependente do homem. Porque a gente não é boba, mas acaba se fazendo de boba achando que tá tudo bem, né? E sabemos bem como o combo homem + dinheiro atua na questão da opressão feminina. Tem cara que vai mesmo usar desse artifício para meter no seu cu. E essa é uma preocupação que eu sempre tenho em qualquer relação. Porque por mais que eu queira um homem botando dinheiro na minha conta, eu também quero minha independência e conquistar o grosso da minha renda por méritos próprios. Afinal, sou uma feminista, quero independência e nunca ter que precisar estar com um homem do meu lado pra poder sobreviver. Então como justificar minha vontade de viver um relacionamento sugar sem abandonar minhas visões feministas?
Olhar para esse formato de relacionamento apenas pelo viés do poder masculino não é a resposta aqui. Sim, a primeira reação é virar a cara para essa configuração baseada, principalmente, no interesse. Mas pelo menos o interesse é mútuo e sincero: o homem quer a companhia, a mulher quer a companhia e os mimos que isso pode lhe trazer — e vice-versa, já que as sugar mommies também estão lá, apesar de em menor número. E não estamos todos nós interessados em alguma coisa? Qual o problema quando o interesse envolve também dinheiro e você deixa isso bem claro? Eu, sinceramente, parei de ver isso como algo ruim.
Na semana passada a Isabela (de novo ela, inspirando meus textos) postou um trecho do Angu de Grilo em que explanou um pouco sobre a “modinha” TikToker de mostrar a rotina de uma “esposa troféu". Mulheres que se vangloriam de passarem os seus dias cuidando do marido, dos filhos e da casa, a coisa que eu mais abomino na minha vida (nada contra quem gosta, só não seja burra). E elas adotaram esse termo, “esposa troféu", como se estivessem vivendo a vida dos sonhos, quando na verdade estão ganhando porra nenhuma para lavar, cozinhar, cuidar dos filhos, faxinar, transar e etc. Aquela coisa: mais uma trend idiota que deturpa totalmente o sentido das coisas e vende a ideia errônea de que ser dona de casa é ser um “troféu".
Primeiro que “esposa troféu” é aquela pessoa que tá ali só pra ser bonita. Ela não lava, não limpa, não trabalha, ela passa os dias indo no salão de beleza, na academia, no spa, no shopping pra fazer compras com o cartão do marido. Ela acorda com um carro novo na garagem sem precisar torcer um pano de água suja no tanque. A esposa troféu está muito mais próxima de uma sugar baby do que de uma dona de casa, e essa trend só surgiu através daquela galera da extrema-direita que sonha em transformar mulheres em um objeto qualquer, como mais um eletrodoméstico indispensável para a manutenção da casa. Pra mim, Taize Odelli, 34 anos, feminista de esquerda, faz muito mais sentido eu procurar um velho da lancha do que um marido tradicional. É como se eu estivesse praticando uma mini-redistribuição de renda, sabe? Quem tem mais contribui para quem tem menos, e todo mundo fica feliz.
Só que ainda assim, eu não consigo ser como uma sugar baby padrão, que vive pedindo presentinhos e fazendo rolês às custas do cara. Minha vontade de ser independente e de não ser apenas mercenária acaba falando mais alto. Deixei de sair com caras que prometeram isso porque o meu sensor de segurança falou mais alto, o medo de cair numa relação abusiva aqui é muito grande. Ainda assim, ando enxergando o mundo sugar como um lugar muito mais promissor para os relacionamentos do que o que eu buscava antes, que era o amor incondicional sem maiores interesses, tudo pelo nome da parceria e do sentimento. Que é, a meu ver, a principal maneira de se oprimir alguém, comprar a ideia de que tudo deve ser aceito e superado em nome do amor. Não, isso não me serve mais. Prefiro o potencial de um velho da lancha do que um esquerdomacho qualquer cheio de ideais que depois vai fazer totalmente o contrário do que prega.
Tá, mas e a minha experiência lá? Se o Tinder e o Bumble já são um território hostil, lá não é muito diferente. Afinal, ainda estamos falando de HOMENS. Sem falar que a usabilidade do site é uma merda, a pesquisa é ruim, as pessoas que aparecem são sempre as mesas (as que pagam para ficar em destaque), e é difícil surgir uma boa conversa lá. Eu puxei papo com muitos caras, e a maioria não respondeu. Eu sou uma mulher padrão, mas não sou a padrão baby (e também não tenho 20 anos) então já esperava que pouca gente falasse comigo. Curiosamente, o único cara com quem saí, e com quem continuo saindo até hoje, foi o único que entrou em contato comigo sem eu ter precisado ter mandado mensagem primeiro. Questão de sorte, né: bateu o olho e gostou. E foi sorte mesmo, porque logo no primeiro encontro a gente conversou horrores, as ideias bateram, apesar de sermos bem diferentes um do outro (mas até pessoas diferentes possuem pontos em comum, né?). E gosto mesmo de sair com ele, as conversas são ótimas e a transa também. Cheguei a sair com outros dois caras, mas não rolou a famosa química (mas comi bem, restaurantes bons, hehe).
Só que ainda não estou vivendo a full experiência de ser uma baby. Não, não quero ser bancada, porque quero ter a liberdade de dizer tchau quando eu quiser sem me preocupar. Fico orgulhosa de conquistar meu próprio dinheirinho e não quero deixar de fazer isso. O que eu espero são coisas que, atualmente, minha conta bancária não me permite fazer: comer em lugares legais, ganhar presentes, viajar, quem sabe uma doação para eu pagar minhas dívidas… Mas não consegui muito nesse sentido porque, falando a real, eu sou uma baby muito ruim, eu fico constrangida de pedir coisas — só sei pedir coisas pequenas, trouxa demais. Porque o dilema ainda está aqui: aceitaria de bom grado um apartamento de presente, mas se alguém me oferecesse, é capaz de eu convencer a pessoa a retirar a oferta porque é algo muito… grande, sabe? E é difícil também acreditar na boa vontade das pessoas, ainda mais das pessoas que têm mais dinheiro do que eu.
Eu poderia ser uma sugar baby feliz e despreocupada, mas isso faria de mim um alvo fácil pra ser vítima de gente cuzona, e eu teria que ignorar trocentos preceitos feministas. Então se você tem essa curiosidade, minha dica é ir com muita cautela e esperteza. Não é porque você está praticando essa mini-redistribuição de renda que você tem que virar uma alienada que vive em busca de homem e às custas dele. Mas já que sou uma hétera desiludida, pelo menos tem esse esquema que, no mínimo, vai me render um bom perfuminho Dior, e não apenas choro, ódio e desilusão.
Então sigo aqui, vivendo esse dilema, mas muito mais animada com essa configuração do que com os relacionamentos tradicionais.
Ps.: Depois de mandar esse texto para um dos meus sugar friends ler, acabamos tendo um papo sobre como o relacionamento sugar também tem papel fundamental na construção do desejo, então aguardem mais textos sobre esse tema. ;)
Dicas
Quero começar indicando esse episódio do É Nóia Minha? que saiu semana passada sobre capacitismo. É pra ouvir com atenção:
Recebi uma mensagem da Claro essa semana falando que clientes têm acesso a vários jornais e revistas no app Claro Banca gratuitamente. Aí fui baixar pra ver e adorei? Tem uma pá de coisa lá pra ler. Acabei lendo a Superinteressante de março que tem uma matéria bacana sobre estoicismo. E também fiquei folheando a Caras, um passatempo adquirido nos tempos de editora que eu tava com saudade de fazer, rs. Agora desejando ter um tablet pra ler as coisas com mais conforto…
Na editoria K-Pop, tô viciadinha nesse novo girl group que surgiu esse mês, Illit. Sonzinho gostoso. Parecidinho com NewJeans? Sim, mas quem se importa?
Voltando rapidamente para o tema da semana passada, saiu essa matéria da Folha sobre como estabelecimentos se estressam com influenciadores. E, olha, a maioria tá nesse rolê pra ficar ganhando coisa de graça mesmo — ou seja, tudo errado. Também sobre isso, eu li uma opinião do Washington Olivetto (sim) no O Globo essa semana também falando do problema desse mercado (minha pauta rendendo, rs).
E na Associação dos Sem Carisma, escrevi sobre a necessidade de se acabar com a IA:
E é isso. Lembrando sempre que esta newsletter também tem conteúdo exclusivo para assinantes pagos, um podcast mensal por apenas R$ 10. Considere apoiar!
Encerro com a gata Dolores conferindo a planta:
Tchau!
Olá Taize, sei que está cansada de ler isso, mas a cada texto seu estou me tornando fã. Esse seu texto é muito interessante, poderia ser um conto bem foda mesmo e, em primeiro lugar, não tem como não parabenizar a sua coragem e escrever, "na lata" as contradições humana. Como ser feminista e cair num rolê sugar daddy? Mas, ao mesmo tempo, todas as contradições que os famosos esquerdo machos, como você bem acentuou, a partir de um discurso progressista e de esquerda, não passam de machocratas cuzões. Como sempre, relacionamentos são bem complicados e, o conceito do Amor e eu sou um bobo que acredito no Amor, sei o quanto ele é complicado também. Lidar com as contradições é foda, assim como comer em bons restaurantes e viajar é uma delícia, assim também como parece uma contradição apoiar esse universo. Todavia, a vida não é isso? Contradições, enigmas e perguntas sem respostas? Acho que sim! Então, acho foda demais o que você fez, curta o máximo possível esse universo e, se o lance do apartamento é muito pesado mas, viajar não. Viajar vale a pena!!! Muito axé!!!!
queria alguém pra bancar meus luxos, mas sem contrapartida... rs