Sobre o desejo
Se estou mais em paz comigo mesma pelo fato de querer um lance sugar sendo uma esquerdista/feminista, como explanei na edição passada, hoje quero falar sobre desejo. Porque não, o lance sugar não tem só a ver com dinheiro. Mas o desejo se beneficia do dinheiro, porque, novamente, vivemos num mundo onde daqui a pouco vamos ter que pagar até pelo ar que respiramos — não duvido de nada.
Como falei semana passada no PS do meu texto, compartilhei ele com amigos sugar e tivemos altas conversas sobre como enxergamos esse meio, ou o que nos interessou nele. Ou como esse rolê pode fazer muito pelo nosso desejo. Um deles falou que gosta de me dar presentes porque vê como isso me deixa feliz. Uma roupa nova, uma biju chique, um jantar bacana faz muito pela minha alegria. A roupa me ajuda a me sentir mais bonita e gostosa, o perfume também, o jantar vai contribuir para o desenvolvimento de um ambiente novo, carregado de desejo. A novidade me atrai, e mesmo que eu esteja saindo com alguém que conheço há quase 10 anos, essas coisas contribuem para que cada encontro nosso seja uma novidade.
Para mim, é essa parte que me interessa. Ainda mais sendo uma solteira convicta, que não deseja criar uma rotina “de casal”, fazendo tudo igual a cada dia. Isso é a morte do relacionamento na minha cabeça. Se estou há algum tempo saindo com um cara e a gente fica só fazendo as mesmas coisas, meu interesse vai pelo ralo. Porque quando estou com alguém, eu quero sair da rotina que criei pra mim mesma. Escapar dela por algumas horas para fantasiar outra vida, e para seguir gostando da minha vida também quando me afasto um pouquinho dela. É uma maneira de preservar o que é só meu. Então sim, pra eu querer continuar transando durante um período maior de tempo com uma determinada pessoa, qualquer novidade que ela me apresentar será muito bem-vinda.
Quando esse amigo me propôs fazer mais rolês e contribuir com meus presentinhos, topei por ter isso em mente. Quando estou com um look novo, me sinto renovada, e ganhar uma roupa para ser usada especificamente com essa pessoa já me ascende o tesão. Semana passada, por exemplo, outro amigo (também de açúcar) me acompanhou numa loja de lingerie onde ele me presenteou. Naquele momento, com ele me vendo provar as peças no provador, já tava ficando com vontade de dar pra ele. Assim como ele, ao saber que usei a lingerie no fim de semana, disse que ficou com tesão só de me imaginar usando ela. Olha só como é bom ser desejada e se sentir desejada, sem precisar ficar caçando novos contatinhos por aí para seguir tendo essa descarga de adrenalina que fazer algo pela primeira vez me traz.
É o jeito mais late capitalism de lidar com meu desejo sexual? Certamente é, mas lembrem-se: eu cresci num mundo que bombardeia a gente com desejos de consumo. Então consumir tem, sim, seu apelo sexual. Não o consumo exacerbado, não o consumo sem propósito, apenas ter por ter. Aquele presente se torna importante por causa do contexto em que foi dado (como é com qualquer presente), ele fez parte da construção daquela transa maravilhosa que tive naquele dia com aquela pessoa. Deu pra entender?
Como uma pessoa sem muita pecúnia no bolso, receber isso de alguém com a vida financeira mais confortável que a minha é o melhor jeito de deixar minha sexualidade prosperar. E saber que eles sentem prazer nisso porque gostam de ver minha felicidade deixa tudo ainda mais gostoso. É outro jeito da pessoa dizer que se preocupa com meu bem-estar, se for tentar romantizar a coisa aqui. Existe o prazer de quem presenteia e o prazer de quem recebe, e para a construção do meu tesão, isso faz toda a diferença.
Entre transar toda semana na minha casa e esperar para transar num hotel à beira-mar daqui a três meses, escolherei sempre a segunda alternativa, porque transar em casa não tem esse apelo da novidade. Já um hotel à beira-mar que nunca fui antes, vish, a primeira coisa que penso ao ver imagens do quarto é “vai ser daora transar aqui, hein", mesmo que eu esteja há meses sem dar uma gozadinha ou pensar em pegar alguém. Só o fato de ser um lugar em que nunca estive, que não é onde vivo, já me desperta o desejo.
Então sim: sair com uma roupa nova dada pelo cara, com um novo sapato, comer num lugar novo, tudo isso vai contando para o meu desejo acontecer. Não gosto de transa preguiçosa ou protocolar, eu quero estar com vontade mesmo de me entregar e aproveitar esse momento. Não é só encostar no clitóris que o negócio liga: o contexto, o ambiente, a conversa, tudo isso vai contribuir para a transa que se aproxima. E, nossa, quando todas essas fantasias que existem na minha cabeça se concretizam, é bom demais.
Aí você pode se perguntar: “Taize, você não se incomoda de ser vista como uma mulher fútil que vai ficar molhada a cada presentinho que ganha?". Pergunta justa, justíssima, e que eu me fiz muitas vezes. Mas não: esses caras que saem comigo há um bom período de tempo entendem como minha cabecinha funciona, e não me enxergam como uma princesinha alienada e deslumbrada. Um deles, recentemente, me disse até que não gosta de pessoas que se deixam dominar rapidamente por um homem. A gente tem um lance de dominação, e a graça, pra ele, está justamente em “dominar” uma mulher que ele considera ser forte. E não é para tirar a força dela: é para deixá-la confortável a ponto de baixar a guarda e se deixar dominar. Se entregar. E pá, mais uma coisa fez sentido na minha cabeça: eu gosto de ser controlada no sexo porque quero abrir mão do controle nesse momento. Eu já controlo a minha vida inteira (ou tento fazer isso), e na hora de foder eu quero mais é não pensar em nada.
E eu não me sinto diminuída perante eles. Eu sei que eles me respeitam, respeitam minha inteligência, minha história, minhas palavras, meu corpo. Respeitam minha autonomia. E com eles, me sinto uma igual. Não sou um bibelô (como escrevi no meu perfil do site sugar), sou uma pessoa muito capaz de cuidar de mim mesma, mas que às vezes quero fingir que tem alguém cuidando de mim só para aliviar a pressão da vida. Me trate como uma mulher exuberante e me ajude a ser uma mulher exuberante.
Então se o cara chegar pra mim e disser “Taize, te comprei essa roupa, essa lingerie, esses acessórios, esses sapatos, mando o carro te buscar X horas, esteja pronta”, pode saber que eu vou tá doida pra dar pra ele porque simplesmente não precisei pensar em nada. Só vou e aproveito. Deixar minha culpa cristã de lado para viver esses desejos tem sido a melhor escolha.
Dicas
Quero começar falando de Dewey: um gato na biblioteca, de Vicki Myron e Bret Witter (trad. de Helena Londres), que a Globo Livros me chamou para resenhar (meu publi!). Eu lembro de quando esse livro saiu na década passada, mas nunca cheguei a ler. Agora me arrependo, porque é tão lindo, tão fofo, tão bonito… Olha aí o vídeo que fiz falando sobre, e fica a dica!
Ri horrores com esse react da Jennifer Prioli do quadro “Os paranormais", do Domingo Legal. Primeiro que eu não sabia que existia esse quadro, me senti voltando aos early 2000s onde programas dominicais falavam de tragédias. Segundo porque criaram um reality de gente que se diz paranormal, e não há ideia mais maluca do que essa. Puro entretenimento.
Tem que ler essa matéria da Marie Declercq sobre os red pills que pululam a internet e o ódio contra mulheres. “O discurso hostil dos masculinistas ataca todas as mulheres brasileiras, em especial mães solo, mulheres acima de 30 anos, feministas e mulheres com atuação política no país, seja de esquerda ou de direita. Normalizado em canais populares, esse discurso corre ainda mais solto no submundo digital de grupos misóginos que se multiplicam no Telegram. Nos últimos três anos, o volume de mensagens de ódio contra mulheres nesse aplicativo superou em quatro vezes a soma das manifestações de racismo, xenofobia contra nordestinos, capacitismo e LGBTfobia.”
Pronto, tá bom pra hoje, né?
E para dizer tchau, contemplem a postura do Horácio.
Tchau!
Sou psicanalista e estava prestes a iniciar um atendimento online.
Copiei o link da reunião e mandei pra pessoa.
Ela me disse que o link estava errado.
Fui checar.
Na verdade eu enviei o link pra este texto.
Rimos.
Só pra dizer que eu devoro seus textos toda vez que recebo no e-mail , mas nunca venho aqui dizer nada. E sei que quando a gente tá aí do outro lado, às vezes um feeback (e um elogio) fazem um bem danado. Continue a escrever. Vc é maravideusa. Bjs